“Já em miúdo dizia querer ser cientista. Sempre achei piada à ideia de um dia procurar a resposta a questões que ninguém havia, ainda, respondido”. É assim que Lino Pereira, natural de Barcelos, explica o interesse pela ciência. “Porquê física e não matemática, química ou biologia? Pela mesma razão que compro calçado tamanho 42 – é o que me “assenta melhor”, explica.

Para chegar às conclusões do “Lattice location of transition metals in dilute magnetic semiconductors”, foram necessários “quase cinco anos de trabalho experimental”. “Começou em 2006, no último ano de licenciatura em Física na FCUP, quando me juntei ao grupo do professor João Pedro de Araújo, hoje presidente do Instituto de Física dos Materiais da Universidade do Porto”, afirma.

No início, Lino procurava um trabalho no qual pudesse desenvolver uma investigação para o “projeto” de licenciatura. “Queres passar umas semanas a trabalhar no CERN?”, foi a pergunta que o Professor Pedro Araújo lhe fez. Lino Pereira recorda que a possibilidade de trabalhar com o CERN para um estudante de licenciatura em Física é como perguntar “a um miúdo se quer visitar a fábrica de brinquedos do Pai Natal”.

Assim foi, o cientista começou o trabalho ainda como estudante de licenciatura, no seio da colaboração entre três grupos de trabalho divididos entre o Porto, Lisboa e a Bélgica. “Completei a licenciatura em 2007 e comecei o doutoramento no seio da mesma colaboração, onde, entre outros projectos, continuei este trabalho”, explica. Para Lino, o facto de ter a possibilidade de fazer um doutoramento repartido, foi, sem dúvida, uma mais valia. “Ter desenvolvido investigação em várias instituições em paralelo permitiu-me conhecer e trabalhar diretamente com muita gente, muito diferente”. “É dificil imaginar o quanto isto nos permite aprender até passarmos por algo deste género”, confessa.

Boas ideias que se “transformam” em ciência

Lino repartiu o seu doutoramento entre várias instituições – o Instituto Tecnológico e Nuclear (ITN, recentemente integrado como unidade ID no Instituto Superior Técnico (IST/ITN), o Instituto de Física dos Materiais da Universidade do Porto (IFIMUP-IN), o Instituto voor Kern- en Stralingsfysica, Leuven (IKS), Bélgica, e a infra-estrutura ISOLDE no European Organization for Nuclear Research (CERN) na Suíça. Foi durante o doutoramento, entre 2008 e 2011, que o cientista desenvolveu o estudo que lhe valeu o prémio “Best Student Presentation”.

O acesso a infra-estruturas de ponta, como o CERN na Suiça, foi também extremamente importante no desenvolvimento do projeto. Mas boa ciência começa com uma boa ideia. “E ideias são coisas de gente, não de máquinas”, afirma Lino. “Se tivesse que eleger uma só competência que toda esta gente me ensinou seria: manter a perspetiva do todo para estar sempre pronto a re-alinhar os meus projetos com o que se passa fora do meu laboratório”, admite.

Novos caminhos, novos desafios

O “Lattice location of transition metals in dilute magnetic semiconductors” tem uma a primeira palavra-chave: semicondutores. “A sociedade moderna desenvolveu-se em torno da eletrónica: computadores, telemóveis, equipamento médico moderno, etc. Todos estes dispositivos se baseiam essencialmente na física dos semicondutores”, salienta o cientista.

Lino Pereira explica que a tecnologia se tem desenvolvido tão rapidamente que estão a ser atingidos os limites fundamentais dos semicondutores usados até agora. “É aí que surge a segunda palavra chave: magnetismo”. O cientista afirma que os semicondutores magnéticos podem ser a resposta para os desafios com que a electrónica actual se depara. “No futuro, a eletrónica poderá ser substituída por uma nova tecnologia, spintrónica, que explora simultaneamente as propriedades semicondutoras e magnéticas destes novos materiais”, explica.

As primeiras descobertas que deram origem ao conceito de spintrónica, foram galardoadas em 2007 com o Prémio Nobel da Física. “Há ainda muitos desafios científicos por ultrapassar, há muita física nova para descobrir. É aí que surge o nosso trabalho: na compreensão, a um nível muito fundamental, de como estes semicondutores se comportam. Em particular, põe em causa factos que se consideravam já estabelecidos, abrindo novos caminhos de investigação no tema”, diz.

“Best Student Presentation Award”

A “Annual Conference on Magnetism and Magnetic Materials” é organizada pelo American Institute of Physics (AIP) e pelo IEEE Magnetics Society, sendo um dos encontros internacionais com maior destaque nas temáticas do magnetismo e dos materiais magnéticos. De entre mais de um milhar de participantes, Lino Pereira trouxe para casa o prémio que concede uma bolsa, num incentivo ao estudo do magnetismo em doutoramento.

“O reconhecimento é agradável e motivador”, afirma Lino. O cientista considera que “a consequência mais importante deste prémio é a projeção do trabalho em si”, sendo que “muitas vezes a qualidade da investigação não chega”. “É preciso comunicá-lo eficazmente, especialmente quando se trata de refutar factos considerados já estabelecidos, que é o caso do trabalho premiado”, reconhece. “Sabíamos que o trabalho era, digamos, polémico e que isso atrairia atenção. Quando o apresentei, na sessão da conferência dedicada especialmente ao tema, tinha na audiência alguns daqueles que o meu trabalho contradizia, incluindo o chairman daquela sessão. Isto gerou uma discussão muito positiva que, pelos vistos, impressionou o júri”, garante.

O presente e futuro

Neste momento, Lino está a fazer um pós-doutoramento no IKS, da Universidade de Leuven, na Bélgica, com vários projetos em paralelo, alguns deles relacionados com o trabalho de doutoramento, o CERN, e a colaboração entre a UP, o ITN e o IKS. “Contra o típico complexo de inferioridade português, o papel do IKS nesta colaboração é de plena igualdade com as instituições portuguesas”, garante.

Sobre um possível Nobel da Física, o cientista considera uma “ambição irrealista”. Lino Pereira reconhece que o prémio se deve muito àqueles que o orientaram e àqueles que com ele trabalharam durante o doutoramento. “Para qualquer investigador da minha idade, o grande desafio, para já, é encontrar o meu lugar e construir uma carreira em ciência”, sustenta.