O posticeiro trabalha “em cabelo e faz qualquer postiço, seja cabelo ou fibra”. É assim que Israel Matos descreve a sua atividade. Tem 57 anos e há 45 que trabalha no Cardoso Cabeleireiro, uma casa no número 105 da rua do Bonjardim. Fundada em 1906, a casa mantém-se praticamente inalterada. “Isto já vem de tios, sobrinhos, filhas, empregados… agora só me encontro eu”, conta o posticeiro.

Aprendeu e herdou o negócio dos patrões, sendo já na altura o único funcionário da casa. “Saí da primária e vim logo para aqui. E aqui fiquei”, declara. “No início era uma profissão muito parada, e ainda hoje é”. É sobretudo uma profissão minuciosa e que não tem “quem dê continuidade” a esta arte, até porque é preciso aprendê-la de pequenino.

Isto porque a “construção de uma cabeleira dá muitas voltas”. Trabalha-se a peruca na chamada forma ou cabeça de madeira, que pode ter o tamanho de um dedo. E depois há uma míriade de utensílios, que têm que ser aquecidos num fogareiro, para amassar, fazer cachos, frisar, ondular e, até, frisar bigodes.

Sobre a evolução do negócio, Israel Matos afirma que esta está “quebrada”. Aquando da
abertura da casa, também o Teatro Sá da Bandeira abriu as suas portas, havendo uma produção de cabeleiras para as peças. Hoje em dia, a clientela passa por pessoas que fazem quimioterapia, assim como cabeleiras de imagem para procissões, como o Senhor dos Passos. E até cabelo para bonecas o posticeiro faz.

“É o amolador, afia facas e tesouras”

Este podia ser o pregão de Luís Fernandes, amolador de facas e tesouras. No entanto, o
jovem de 25 anos não precisa de se fazer ouvir para que os clientes o encontrem. A trabalhar na entrada do Mercado do Bolhão cujo acesso se faz pela rua Fernandes Tomás, quem o procura deixa facas, tesouras e guarda-chuvas e vai tratar de outros recados, caso tenha à sua frente clientes que tragam vários objetos.

Há cerca de cinco anos que o amolador ali se encontra, a seguir as pisadas do pai que, por sua vez, tinha herdado o negócio do avô. Luís Fernandes conta que estes já eram alvo de reportagens e fotógrafos, no seu tempo. O irmão do jovem também sabe do ofício, mas só exerce quando é necessário substituí-lo.

Sendo um negócio de família, o jovem não se recorda da altura exata em que começou a
acompanhar o pai. “Já foi há tanto tempo! Comecei a vir para aqui com o meu pai desde pequenino e achava isto uma brincadeira”, conta o jovem amolador. O pai mostrava interesse que os irmãos aprendessem o ofício, o que fizeram por gosto.

O número de clientes varia, pois “há dias bons e dias maus”. No tempo do pai, a clientela “era mais do que é agora, mas também antigamente vivia-se melhor, agora é a crise, a Troika veio estragar o nosso país”, afirma o jovem. E nem as recomendações de reaproveitar objetos parecem convencer, no entender do amolador. “As pessoas preferem deitar fora e comprar coisas novas. Só quem conhece é que se dirige aqui ou a outros que andem por aí”, afirma.

Sem nunca deixar o aparelho de amolar, cujo esmeril, ardósia, ou simplesmente pedra de
amolar rodam continuamente, Luís Fernandes afirma que só “muito raramente” se vê um
amolador pela cidade, mas que ainda assim conhece “dois ou três”. Para quem tiver facas
e tesouras para afiar, o amolador pode ser encontrado de terça-feira a sábado, das 07h00 às
12h00.

As malas de rodinhas acabaram com o serviço

Na estação de comboios de Campanhã não há um, mas dois bagageiros. O JPN falou com um
deles, Domingos Bessa, que ali se encontra a trabalhar desde “agosto de 1973”. Aos 72 anos, divide-se entre este velho ofício e o trabalho como agricultor. “Aqui trabalho quando posso e quando tenho vagar. Quando tenho mais serviço em casa, fico lá”, explica Domingos Bessa.

A liberdade de horários foi um dos fatores de escolha deste ofício. Na altura, um familiar seu trabalhava na estação, onde havia muito trabalho. “Havia emigração para a França, para a Alemanha, para a Suíça e iam todos no comboio”, conta. “Nessa maré dava para tirar um salário. Mesmo levando só 10 tostões por cada mala, a quantidade de malas que transportava dava um rico dia”.

Domingos Bessa ganhava mais do que nos dias de hoje, em que “não há malas, e as que há são de rodinhas”. O seu ofício serve-lhe de passatempo. “Se quiser trabalhar tenho que ficar
em casa”, diz. Porém, paga uma licença para lá estar. Já não usa farda, como nos tempos
idos em que não podia “desapertar a gravata nem os botões”. “Éramos uns fidalgões. Depois
do 25 de abril é que arrancamos a gravata”, recorda.

Os bagageiros não estão na estação todos os dias. No entanto, quando estão ao serviço, o horário, geralmente, é desde a manhã até ao início da tarde, disponíveis para quem precise dos seus serviços. “Sirvo as pessoas de toda a qualidade, da mais baixa à mais alta patente”, afirma Domingos Bessa.

Um trabalho com “alguma perigosidade”

Nuno Gama tem 32 anos e é ferrador no Quartel do Carmo há dois. Tirou o curso de Ferração
na Guarda Nacional Republicana em Lisboa, em 2009, e veio para o Porto no ano seguinte.
“Pertencia à Cavalaria e já tinha ajudado a ferrar cavalos. Achei que era uma boa realização”, conta.

Mas afinal de que se trata esta profissão? O ferrador tem que colocar as ferraduras nos cascos do cavalo, mas não é tão simples como a descrição o faz parecer. Ser ferrador tem muito que se lhe diga. Exige força, paciência, cautela e mestria, porque é preciso que a ferradura seja bem aplicada para que o animal se sinta confortável e para que não surjam complicações de saúde.

Nuno Gama reitera que é preciso ter atenção aos vários “aprumos” (direção que os membros
têm em relação ao solo) e perceber se a ferradura está bem aplicada consoante esses mesmos aprumos, “para não ficar com os cascos tortos”. É preciso também estar muito atento a feridas que os cavalos possam ter nos pés e mãos. Ou seja, é um trabalho “duro, sujo, pesado e cansativo”. “Os cavalos estão sempre a fazer necessidades, muitas vezes por cima de nós. Metem a caudinha para o lado e lá nos sujam os pés”, conta.

“Jardel, não sejas mariquinhas”, diz docemente o ferrador ao cavalo. Isto porque há que falar com os cavalos para que estes se lembrem que está alguém a tratar deles e não darem um coice acidental, como aconteceu a Nuno Gama, há dois meses.

Para o ferrador, o seu trabalho “tem alguma perigosidade”, diminuída se o ferrador conhecer o cavalo e se o animal também estiver familiarizado com quem trata dele. A experiência prévia que se tem com os cavalos da GNR, enquanto militares, “ajuda muito” quando alguns destes decidem tornar-se ferradores.

Um dos seus colegas conta que houve a tentativa de fazer um curso profissional de ferração
em Portugal, não conseguida. Há quem tire o curso na Bélgica e há quem aprenda com outros
ferradores. Para aprender o ofício na GNR é preciso ser-se militar. Nuno Gama, apesar de
não conhecer colegas de profissão civis, afirma que a existência de muitos centros hípicos sugere, também, a existência de mais ferradores.