De jornalista de rádio para a fauna e a flora portuguesa na televisão. Porquê este salto? Como se deu esta mudança?

A minha entrada para a televisão acontece em agosto de 1994, numa altura em que estava aberto um concurso para admitir jornalistas. Depois de muitas seleções ficámos 13. A natureza esteve sempre comigo. Lembro os dias de criança em que me levantava às sete da manhã para ler e reler livros que me apaixonavam, como “O Grande Livro dos Oceanos”, “A Vida Na Terra”, de David Attenborough, “O Planeta Vivo” do mesmo autor, a enciclopédia “Fauna”, de Félix Rodriguez de la Fuente, “O Mundo Submarino”, do saudoso Jacques-Yves Cousteau, fazia coleções de cromos todas elas relacionadas com animais, mamíferos, insetos, peixes. Chegava a gravar em áudio, porque na altura não existiam videogravadores, para a seguir ouvir e tentar visualizar as imagens das narrações. A vida animal sempre me fascinou: a evolução natural, a biologia, a etologia, a zoologia, a engenharia zootécnica. Costumo dizer que só não sou biólogo porque a matemática não deixou. Não sou biólogo, mas descrevo-me como um naturalista. Na televisão encontrei a oportunidade para me tornar divulgador. Desta forma levei por diante o primeiro programa da história da televisão portuguesa de produção nacional e em continuidade intitulado “Vida Animal em Portugal e no Mundo”, na RTP Informação e na RTP Internacional. É, de resto, um projeto multiplataforma que alimenta, também em formato mini documentário, muitos noticiários da estação pública onde trabalho vai para 20 anos.

O que o levou a seguir jornalismo? O que o fascina nesta profissão?

O jornalismo é a segunda grande opção e ainda bem que aconteceu. Sempre admirei comunicadores e acho que o jornalismo passa muito por aí: saber comunicar bem, respeitando naturalmente sempre o rigor, a ética e a lei vigente. Ser jornalista não tem de ser contra poder, ser jornalista é uma missão, é certo, mas, acima de tudo, é uma paixão. No antigo décimo ano frequentei, entre outras, a disciplina de “Jornalismo e Turismo” e a seguir ingressei no ensino superior na antiga Escola Superior de Jornalismo do Porto, da qual guardo as melhores saudades. Entretanto meteu-se a rádio, meteu-se a televisão, meteu-se o trabalho letivo, e viria a acabar o curso de Ciências da Comunicação já na Universidade Fernando Pessoa. A profissão de jornalista, para mim, tem grande fascínio na perspetiva do divulgador. O divulgador da vida e recantos selvagens do país e do mundo. É por aí que quero seguir. Direi mais: é aí que quero acabar os meus dias. A fazer documentários sobre vida selvagem. Tenho lutado por isso.

“Há que perturbar o menos possível, procurar ver sem ser visto, sentir sem ser sentido, cheirar e apreciar sem ser cheirado e apreciado pelos animais selvagens”

Nas suas reportagens, lida bem de perto com os animais. Pode falar-nos um pouco da sua experiência? Viveu alguma situação caricata?

Na elaboração de documentários sobre vida selvagem há, à cabeça, duas máximas que tento nunca esquecer: “Levar o espectador ao cenário e não o cenário ao espectador” e, a segunda, “A paciência é aqui a mãe de todas as virtudes”. Quando invadimos terreno selvagem, por menos que queiramos, perturbamos sempre. Ora, há que perturbar o menos possível, procurar ver sem ser visto, sentir sem ser sentido, cheirar e apreciar sem ser cheirado e apreciado pelos animais selvagens. Se fosse escolher uma experiência, e felizmente há tantas na minha vida profissional e no contacto estreito com animais selvagens, escolhia duas: o contacto estreito com uma parcela da Grande Amazónia selvagem, na Colômbia, Brasil e Peru, e o contacto estreito com os habitantes de uma área em Portugal que me apaixona particularmente, o Douro Internacional, que felizmente conheço bem. Uma das situações caricatas aconteceu-me na Ilha dos Micos, na Amazónia Colombiana, onde me vejo com dezenas de macaquinhos selvagens em cima de mim e tudo por causa de uma banana. Também jamais esquecerei o safari fotográfico noturno ao jacaré preto, num dos meandros do Amazonas Peruano, que resultou a 100 por cento, avistamos e manuseamos uma cria, assim como o contacto físico e apaixonante com a grande anaconda na Amazónia Brasileira. Lembro, também com imensa saudade, o contacto com a avifauna santomense e com a fauna marinha de Cabo Verde, por exemplo, ou o mergulho com grandes cetáceos ao largo da Ilha do Pico, nos Açores. Enfim, muitas e muito boas recordações.

Qual foi a reportagem que fez sobre vida selvagem e sobre a fauna e a flora em geral que mais lhe deu prazer fazer?

Muitas foram as reportagens que me deram imenso prazer fazer. Desde o maravilhoso mundo dos insetos, à majestosa presença dos veados e cabras em Montesinho, Lousã ou Gerês. Cada ida para o terreno é um desafio. Nunca pode levar relógio, pressa, bem pelo contrário. Os animais é que têm de vir ter connosco e não o contrário.

E, por outro lado, qual foi a mais difícil e desafiante? Os animais deixam-se facilmente filmar?

Depende das espécies. Desde logo uma salvaguarda da maior importância. O professor Chris Palmer, no seu livro considerado a “Bíblia mundial” no “wildlife film-making”, lança vários alertas em relação à ética nos realizadores de documentários sobre vida selvagem. Naturalmente que lá fora, e devido à muita concorrência, será tentador filmar animais amestrados ou animais de falcoaria, por exemplo. Já perdi muitas e boas cenas, mas nunca fui nem nunca irei por aí. Todo o trabalho que faço nesta área, mas mesmo todo, é com animais em habitats completamente selvagens. Esta é também, para mim, regra de ouro. Há animais que se deixam filmar mais facilmente do que outros. Ir para o campo com roupas de cor viva, perfumes ou aftershave é proibido. Temos de estar sempre contra o vento. Temos de usar abrigos e folhagem para não sermos vistos, procurar preferencialmente zonas escuras ou sombreadas e depois esperar. As aves são as mais difíceis, mas os mamíferos também, como é o caso dos veados, corços, animais de hábitos noturnos ou crepusculares. Mais uma vez, a espera e as sucessivas idas ao terreno são fundamentais para um bom produto final.

Qual foi a espécie animal que mais o deslumbrou, que mais gostou de conhecer ?

Os animais. Todos eles estão no planeta pela via da evolução natural e todos sem exceção têm um importante papel a desempenhar em todos os ecossistemas da terra. Os insetos, por exemplo. Se desaparecessem da noite para o dia, em pouco tempo, todos os ecossistemas colapsavam. Entre as espécies que mais me deslumbram estão, por exemplo, a baleia azul, o maior animal da terra, pela sua dimensão gigantesca. Duzentas toneladas de peso e trinta metros de comprimento. Algumas espécies de aves também me cativam particularmente e aqui entram todas as espécies que conheço de aves de rapina, desde a majestática águia-real à coruja cinzenta, mocho real, entre muitas outras. Admiro nestas aves principalmente os “milagres” que a evolução natural nelas provocou. Visão binocular e muito mais apurada do que a nossa – e, no caso das rapinas noturnas, a audição apuradíssima e todo o complexo mecanismo que ela encerra. Encantam-me também os mamíferos terrestres, como a esquiva lontra, o gamo, o veado. Também nutro um especial fascínio por répteis e anfíbios.

“O caderno de campo é uma peça fundamental para um jornalista realizador que se queira dedicar à temática da vida selvagem”

Costuma documentar-se e estudar uma determinada espécie ou local antes de partir para o terreno, para a reportagem? Como prepara as suas reportagens?

A documentação aqui é, como em muitas outras áreas do jornalismo, fundamental. O gosto pela temática e as temáticas que gravitam à volta, como a história natural, a ecologia, a etologia, a engenharia zootécnica, a veterinária, entre muitas outras. Quando vou para o campo e para os espaços selvagens acompanham-me sempre o caderno de campo e os guias da natureza, os guias que nos permitem melhor identificar as espécies. No caderno de campo “cabe tudo” o que nos permita levar para a mesa de montagem o que vivenciámos: cheiros, ambientes, sons, desenhos que nos podem orientar e que foram previamente feitos no caderno. O caderno de campo é uma peça fundamental para um jornalista realizador que se queira dedicar à temática da vida selvagem. É lá que vão constar muitas das nossas observações, muitos dos nossos sentimentos no terreno.

Considera que os portugueses estão conscientes da quantidade e diversidade de espécies que temos no país? As suas reportagens acabam por assumir um pouco um carácter mais pedagógico.

As pessoas que encontro, de facto, não têm ideia da variedade e da quantidade da vida selvagem que nos rodeia. Muitas vezes, e depois de terem visto os mini documentários ou reportagens que faço para os diferentes espaços, no caso dos espaços informativos da RTP, dizem-me que não faziam ideia da existência desta ou daquela espécie, deste ou daquele comportamento. Tomaram, por isso, conhecimento dessa vida selvagem em território nacional através do meu trabalho, o que sinceramente me deixa muito feliz e cada vez mais motivado para continuar.

Considera que o jornalismo pode ter um papel preponderante na divulgação de espécies ameaçadas, por exemplo, e de sensibilização para questões do ambiente? Ou é ainda necessário outro tipo de ações?

Estas abordagens podem, naturalmente, ter um papel preponderante. Afinal, e socorrendo-me de um lugar-comum, só se pode proteger o que se conhece. A divulgação é importante, mas depois há que levar à prática a proteção e a defesa do ambiente em todos os seus vetores. A vida selvagem tem de merecer, na nossa espécie, o maior respeito. Não temos o direito de eliminar ou levar à extinção outras espécies. Tenho para mim, e tenho-o dito muitas vezes, publicamente que o homem (homo sapiens) é o pior, mais cruel e calculista dos predadores. A sensibilização é fundamental, mas é preciso rever rapidamente a legislação vigente no sentido de punir com severidade, e digo-o sem qualquer receio do peso das palavras, todos os que maltratam vida e ecossistemas selvagens. Eles chegaram antes de nós.

Tem tido feedback e sugestões por parte de quem assiste ao seu trabalho?

O “Vida Animal em Portugal e no Mundo” tem sido uma aposta felizmente ganha em todos os níveis e acarinhada por muita gente, gente que a mim se dirige na rua e que pergunta: “Você não é o senhor dos animais na RTP?”. Pois é assim que gosto de ser conhecido. Este é, para mim, o melhor dos prémios, o prémio do público que me vê e que gosta do que faço. Sei que assim é porque aproveito estas interpelações para perguntar às pessoas o que mais gostam, o que viram, quando viram, onde viram e obtenho respostas que me deixam muito satisfeito. As pessoas viram, por exemplo, no ar, um determinado trabalho e pela conversa percebo que o entenderam do princípio ao fim. Pelo sentimento que me é transmitido muitas vezes percebo também que consegui levar por diante a máxima que me move: “levar o espetador ao cenário e não o cenário ao espetador”.

Está a pensar fazer novos programas: “A vida animal em 4 estações” e “Aves de Portugal”. Pode desvendar um bocadinho a ponta do véu sobre eles?

Tal como os próprios nomes indicam, são projetos ambiciosos que se encontram já em fase de produção. São séries com enfoques variados no que à vida selvagem diz respeito. Outros há já em fase de pré-produção, uns relacionados com a vida secreta dos insetos e outro sobre a imensa biodiversidade que gravita dentro e em redor de rios e outros cursos de água.

Viu recentemente o seu trabalho ser reconhecido internacionalmente. O que significou para si esse reconhecimento? Sente que o seu trabalho ajuda também a divulgar a fauna e a flora portuguesa no estrangeiro?

Sim, a referência ao meu nome, como profissional da RTP, na página 75 do Guia Mundial de Realizadores de Vida Selvagem “Wild Pages”, foi o melhor dos prémios. Aparecer ao lado de gigantes como a National Geographic, National Geographic Wild ou a BBC é, de facto, um reconhecimento que me deixa com poucas palavras. Muitas das reportagens e mini documentários que realizo para o universo RTP são comprados pela Eurovisão e pela União Europeia de Radiodifusão (UER), ou seja, são vendidos a outras televisões europeias. Creio que foi com isso que o reconhecimento no estrangeiro terá aparecido.

Como projeto final apresentou algo pioneiro: “Wildlife Film-Making”. Pode falar-nos um pouco sobre ele?

É um projeto pioneiro em Portugal que brevemente será lançado em livro. Trata-se de uma tese científica, que invoca alguns dos melhores autores mundiais sobre o documentarismo à volta da vida Selvagem. Entre eles estão o professor Chris Palmer, outras publicações de David Attenborough, “O Planeta Terra”, “O Planeta Vivo”, “Os desafios da Vida”, entre muitos outros deste mestre e autor.

Está a preparar também um lançamento de um livro sobre a sua carreira. Pode falar-nos um pouco sobre ele?

O livro sobre os passos seguidos nesta carreira relacionados com estas abordagens está ainda numa fase muito embrionária. De qualquer forma vai ser uma espécie de “compêndio de cariz científico e cronológico” sobre este sonho e esta paixão tornada realidade que é, no fundo, divulgar em televisão, de uma forma pioneira, as maravilhas na natureza em geral e da vida selvagem em particular.

Aos 42 anos, pode dizer-se que já fez um pouco de tudo. Quais os seus projetos para o futuro? Pretende fazer mais programas deste género?

Projetos não me faltam. Mas todos eles, profissionalmente falando, passam necessária e obrigatoriamente por esta paixão de divulgar vida selvagem através da televisão e através das redes sociais. É este o caminho que quero seguir e não outro.