A hidroxiapatite é a rainha deste estudo. O nome é complicado, mas a explicação é simples: este é o composto principal das espinhas de bacalhau (60 a 70%) – assim como dos ossos humanos – e pode ter mil e uma finalidades, depois de submetido a um meticuloso processo.

Hidroxiapatite – o que é?

A hidroxiapatite é formada por fosfato de cálcio e é o constituinte mineral do osso humano, representando cerca de 30 a 70% da massa dos ossos e dentes (representa um depósito de 90% do cálcio corporal e 80% do fósforo). A hidroxiapatite sintética possui elevadas propriedades de biocompatibilidade, permitindo assim a sua utilização em implantes e próteses. É ainda essencial no combate à osteoporose.

O objetivo é reduzir os “subprodutos”, neste caso da Indústria do processamento do peixe – ou seja, os extras, como as escamas ou as espinhas. Apesar de algumas destas sobras serem usadas como rações ou farinha de peixe, a maior parte é descartada, como resíduo, o que acaba por ter um impacto ambiental significativo.

Mas a solução está à vista: basta incinerar as espinhas a temperaturas entre os 600 aos 1250 graus Celsius e obter um “pó branco” da referida hidroxiapatite – um fosfato de cálcio – que pode servir para dúzias de aplicações, da saúde à eletrónica.

Preocupação ambiental e aplicação na saúde são as duas mais-valias do projeto

Para adaptar o milagroso “pó” às diferentes aplicações, basta submeter as espinhas a um pré-tratamento com diferentes loções que mudam a composição das espinhas e permitem obter produtos finais diferentes”, explica Paula Castro, uma das investigadoras do grupo. Hoje em dia, o composto é usado essencialmente de origem sintética (embora também já possa ser obtido naturalmente através de algas e bovinos), mas a partir de hoje pode ser diferente.

A primeira consequência passa pela redução do impacto ambiental (já que se reduzem os resíduos da indústria): agora, são “milhares de toneladas de espinhas” que passam a contribuir para a produção de “compostos de elevado valor”. Depois, sendo as espinhas ricas em fósforo, pode reutilizar-se também este composto, já que “a forma crescente como a sociedade o tem usado – principalmente em fertilizantes – pode limitar a sua disponibilidade no futuro”, garante a investigadora. Por fim, para além de servir como biomaterial na produção de próteses, a hidroxiapatite pode ainda funcionar como “purificante” no tratamento de águas residuais, mais especificamente “na remoção de metais pesados ou na degradação de poluentes orgânicos, como corantes”, elucida Paula.

Produzir, evitar, salvaguardar e tratar são as palavras de ordem

A Investigação

A investigação foi levada a cabo por um grupo multidisciplinar de alunos e professores da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto (ESB-UCP), em parceria com a Universidade de Aveiro (UA). O método descrito é apenas uma parte de um projeto mais extenso à volta da “valorização de subprodutos” da indústrial alimentar, integrada com a componente ambiental – e, neste caso, ligado diretamente ao peixe: das escamas às espinhas.

A conclusão é simples: o tratamento dos compostos das espinhas do bacalhau permitem, entre tantas outras coisas, produzir próteses, evitar a poluição, salvaguardar recursos e tratar as águas. O método já tem patente nacional e o pedido internacional já está em processo. Agora, falta catapultar esta “oportunidade de inovação” para a escala industrial: “Agora é estudar o mercado, analisar custos e tentar arranjar parceiros que levem os produtos até ao mercado”, afirma Paula. E não parece assim tão difícil: a Pascoal e a WeDoTech (empresa incubada na Universidade Católica) estão “de pedra e cal” no projeto e a empresa bacalhoeira já demonstrou o interesse na investigação. Matéria-prima, em Portugal, não há-de faltar.