George viu a Grécia como um lugar de oportunidades. Sabemos hoje, pela lente com a qual vemos a conjuntura social, política e económica na Europa, que é complicado falar de oportunidades na Grécia. Mas a verdade é que viver num país assolado pela crise europeia é pouco para quem vem da Síria.

Saiu de Alepo, a sua cidade natal, em 2000. Deixou para trás família, namorada e amigos, mas viajar até casa só começou a ser um problema com o agravamento do conflito. Por medo e prudência, decidiu não entrar mais no avião: “Publiquei alguns estados no Facebook de índole anti-regime. Alguém do governo ligou aos meus pais. Ameaçou-os, dizendo que eu tinha de parar de escrever”, conta.

Hoje, é praticamente impossível chegar à Síria, quase todas as ligações aéreas foram cortadas, e tentar fazê-lo seria “insensato”, diz George, tendo em conta as proporções que a guerra civil tomou. A verdadeira dificuldade, é sair. “Os meus pais querem sair, é claro, toda a gente quer. Mas nenhuma via é segura. Muita gente morreu no caminho para o aeroporto. Para além disso, quase todos os aeroportos à volta Alepo foram destruídos”, explica.

“Há um atirador desconhecido perto do bairro onde os meus pais moram”

Mas mesmo que os pais de George conseguissem apanhar um avião, os únicos destinos possíveis seriam a Turquia e o Líbano. Os vistos para a Europa estão cada vez mais caros, conta, pelo que a única opção é ficar, procurando uma segurança relativa: “Como há um atirador desconhecido – não se sabe se é rebelde ou pró-regime – perto do bairro onde os meus pais moram, não há forma de estarem totalmente seguros. Não podem andar livremente no meio da rua, por exemplo. Apesar disso, vivem em melhores circunstâncias do que 70% da população da cidade. O nosso bairro ainda não foi bombardeado por isso estão bem melhor do que os outros”, conta.

A situação dos amigos é mais difícil, esclarece. Alguns estão “profundamente ligados à revolução”, quatro deles foram libertados, recentemente, das prisões do regime de Bashar al-Assad, depois de 20 dias de total privação de contacto com o exterior. “Desconfio que os pais deles pagaram uma fortuna para que saíssem da prisão. Não lhes quis perguntar o tipo de torturas que experienciaram. Disseram-me, apenas, que as suas feridas já tinham cicatrizado”, conta.

Cessar-fogo em Alepo pode estar próximo mas “isso não é bom”

A guerra civil já fez milhares de mortes e Alepo é uma das principais frentes de guerra mas George acredita que o cessar-fogo poderá estar próximo, sob controlo da força rebelde. “Isso não é bom”, diz, “mas é melhor do que os bombardeamentos diários”. Não é bom, especifica, porque os rebeldes à frente da revolução pretendem a implantação de um estado islâmico: “Essa parte do movimento rebelde é o que tem as armas. E o problema é que se eles libertarem o país do regime e nós dissermos que queremos um estado secular, a reação vai ser ‘não, porque fomos nós que nos sacrificamos para que isto acontecesse’. O movimento secular não tem armas, não queremos uma revolução com armas”, explica.

“Não queremos uma revolução com armas”

George é agnóstico, apesar de nascido numa família cristã. Defende o estado secular, divergindo, por isso, da posição da maioria dos cristãos sírios , que pretendem a permanência de Bashar al-Assad no poder. “O apoio cristão ao regime baseia-se em duas razões básicas: a primeira é a experiência histórica dos cristãos iraquianos forçados a abandonar a sua pátria logo depois da invasão americana em 2003 e que encontraram um espaço seguro na Síria; a segunda razão é a propaganda que o regime fez sobre a revolução, descrevendo-a, com sucesso, como um movimento de fanatismo muçulmano”, descreve.

“A questão da religião é muito complicada”

O fanatismo religioso existe, esclarece George, mas a revolução não é só isso: “A questão da religião é muito complicada e nos tempos iniciais da revolução, as motivações não eram religiosas”. Só que, explica George, com o agravamento da guerra, as convicções aprofundaram-se: “A dimensão religiosa começou a crescer com a quantidade de mortes. Como todos sabemos, a religião encontra sempre terreno entre os mais desesperados e entre os mais pobres”.

George fala ainda da revolução egípcia e diz que nada teve a ver com a Síria: quem a fez não tinha armas e derrubou o regime através de manifestações pouco violentas. “A diferença é que com as eleições ganhou o Partido da Liberdade e Justiça, influenciado pela Irmandade Muçulmana Egípcia, que entretanto, começou a mostrar sinais de ditadura. As pessoas já não toleram isso e milhares já se estão novamente a manifestar Cairo. Não sei se o meu povo reagiria dessa forma, mas espero que sim”, afirma.

Na Síria, resistem também as incongruências da oposição. E o prognóstico sírio é preocupante, explica, enquanto isso não mudar. Em relação ao governo de Bashar al-Assad não tem quaisquer dúvidas: “A alternativa ao regime de Bashar al-Assad é melhor, mas definitivamente não a curto prazo”.