Descrevem-se como fãs acérrimos, partilham gostos e integram os pequenos “vícios” nas suas rotinas. Diana Sousa, estudante universitária, admite a paixão por ficção científica e fantasia. João Dias tem 21 anos e é “viciado” em banda desenhada japonesa. Por sua vez, Daniel Santos, estudante de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, confessa o gosto antigo por Harry Potter. Em entrevista, descrevem o interesse não como um “vício”, mas como um “modo de vida”.

Nos três casos, a paixão surgiu ainda na adolescência e desenvolveu-se desde então. “O gosto por Harry Potter surgiu muito cedo, quando surgiram os livros. Na altura não tinha gosto pela leitura e foram os livros de Harry Potter que me despertaram esse interesse”, afirma Daniel Santos ao JPN.

Por sua vez, Diana Sousa conta que o interesse pelo fantástico começou com a leitura do clássico de Tolkien, “O Hobbit”, aos oito anos. “No mesmo ano, li o primeiro ‘Harry Potter’ e, desde então, nunca larguei o género”. O gosto pela ficção científica surgiu “pouco depois”, com os filmes de “Star Wars”. “Agora vou percorrendo livros, filmes e séries dentro destes géneros, desde clássicos, como Battlestar Galactica, aos mais recentes, tal como ‘A Song of Ice and Fire’ [conhecido pela série ‘Game of Thrones’, adaptada das publicações de George R. Martin]”, diz.

Vício vs Fanatismo

De acordo com Paula Guerra, “vício” ou “fanatismo” são termos complexos e de difícil definição. No entanto, se, por um lado, “vício” inclui no seu conceito uma carga “negativa” e um “julgamento” ou “condenação”, a definição de “fanatismo” diz respeito a uma “coação da liberdade” motivada pelo facto de algo ser tido como “bom” ou “positivo”. “Há dependências, há consumos, uns mais dependentes do que outros, mas é difícil falar de vícios”, afirma. A professora dá o exemplo dos “music lovers”, que descreve como “indivíduos que consomem e divulgam um determinado género musical de forma intensa”, disse em entrevista ao JPN, salientando o conceito de “paixão” que não possui a mesma carga negativa de “vício”.”

Quando questionada sobre a preferência entre ficção científica e fantasia, a jovem diz não conseguir escolher o favorito: “Não acho que haja substituição. Não sou ‘viciada’ no sentido de não conseguir viver sem uma coisa ou outra, apenas gosto bastante do conteúdo criado para estes géneros. Sentiria falta se, de repente, algum deles desaparecesse? Com certeza. Mas cada um tem a sua devida importância, e nunca iria substituir o outro”, acrescenta.

Para João Dias, o gosto pela manga, banda-desenhada japonesa, é também algo já antigo. O jovem já participou em projetos de desenhos amadores do género, como o “Senpai Project”, uma iniciativa restrita a artistas amadores convidados.

Redes sociais como espaço de partilha e construção de identidade

A introdução das novas tecnologias de comunicação no mundo contemporâneo determinou mutações nas formas de relacionamento. O fenómeno é verificável nas redes sociais, onde se criam páginas ou grupos em volta de temas específicos ou para partilha de gostos e interesses. Paula Guerra, socióloga e docente na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), afirma que, na atualidade como em tempos ancestrais, a “construção da identidade” é uma questão comum e central: “É natural que surjam grupos de fãs da mesma coisa e que cultivem o mesmo tipo de interesses; faz parte da formação de grupos e da própria construção da identidade dos indivíduos”.

João Dias confessa partilhar o “vício” com vários amigos, através da Internet. Também Daniel Santos o faz: o jovem estudante de Braga é administrador do “Portuguese Potterheads“. A ideia foi “importada” e inspirada em páginas internacionais e, além de servir para a troca de opiniões – como a discussão dos “momentos mais marcantes dos livros e filmes” -, permite também conhecer novas pessoas: “A página serve para falarmos de outras coisas para além de Harry Potter e conhecermo-nos melhor um aos outros”, afirma.

Apesar de estar, neste momento, afastada, Diana Sousa confirma a importância das comunidades online: “Foi em comunidades que conheci os meus melhores amigos e, portanto, nunca irei deixar de participar totalmente”, disse ao JPN.

Um gosto deriva em coleções e fenómenos de culto

A banalização do consumo e o aumento da facilidade de acesso a determinados produtos leva Paula Guerra a destacar a possibilidade do aumento da tendência para a “valorização do objeto”, face ao desenvolvimento da Internet onde tudo está disponível à “velocidade de um clique”. A socióloga fala, a título explicativo, da “desmaterialização do objeto ‘música’, do vinil ou CD”, que poderá determinar a “necessidade de voltar ao objeto, ao culto do objeto e ao ritual de estar com o objeto, no sentido de recuperar uma força identitária”.

Os fenómenos de culto traduzem-se, também, na coleção de objetos que vão para além dos livros e filmes: “Não sei se chamaria a isto estranho, mas com certeza que é a peça mais diferente que adquiri: uma espada. Não uma espada de madeira, mas de metal, pesada. Obviamente não está afiada nem balançada, é apenas objeto de decoração. Mas que fã de fantasia não sonhou em, um dia, ter uma espada?”, questiona Diana Sousa.

Por sua vez, João Dias salienta o esforço em adquirir os livros de banda-desenhada japoneses, já que estes “são muito caros em Portugal”. Em alternativa, opta por comprar em “lojas online estrangeiras”. Por último, Daniel Santos refere que, além das figuras de ação, livros e DVD’s também fazem parte da coleção, mas nenhum outro artigo ultrapassa a peculiaridade de uma espécie de helicóptero telecomandado em forma de vassoura.