Mais de um ano passou desde o último despejo, mas ainda hoje se fala da antiga escola da Fontinha. Depois de condenados na sequência dos confrontos com a polícia, António Sousa e Ricardo Ribeiro, conhecem agora a nova decisão judicial, que os absolve do crime de resistência e coação sob funcionário. O JPN aproveita a data para rever os acontecimentos em torno do polémico edifício do bairro portuense.

A 19 de abril de 2012, a Câmara do Porto (CMP) despejou o movimento Es.Col.A, da antiga escola primária da Fontinha, numa ação que provocou confrontos com a polícia, a detenção de três pessoas por resistência e coação a agentes policiais, várias manifestações de descontentamento e, ainda, uma petição a exigir a demissão de Rui Rio.

O edifício, que acolhe hoje o Centro de Recursos Sociais, projeto de intervenção comunitária, continua a dar que falar, numa altura em que se conhece a decisão do Tribunal da Relação do Porto (TRP), relativa ao recurso, sobre dois dos arguidos envolvidos no processo.

Depois de condenados a uma pena de três meses substituída por uma pena de multa de 750 euros, a 10 de maio do ano passado, António Sousa e Ricardo Ribeiro, ambos de 38 anos, conheceram agora a nova decisão judicial, que os absolve do crime de resistência e coação sob funcionário.

Es.Col.A foi atrativa, literalmente, para todos

Uma moradora do bairro da Fontinha, que prefere não ser identificada, conta ao JPN que, apesar das “mais-valias” que o coletivo Es.Col.A. trouxe ao bairro, sobretudo no que respeita à “ajuda das crianças”, alguns “vizinhos queixavam-se do barulho das festas que eles faziam aos fins-de-semana”. Os problemas agravaram-se, conta a moradora, “quando os sem abrigo começaram a vir para aqui”, procurando o apoio do coletivo.

Abril de 2012 foi um mês de confrontos

O edifício, propriedade da autarquia do Porto, esteve desativado da sua função desde 2006, até à ocupação, em abril de 2011, do Es.Col.A – Espaço Colectivo Autogestionado -, um movimento que requalificou a escola e a convidou, com a comunidade da zona, a promover atividades educativas, como ateliês de desenho e leitura, yoga, cinema documentário ou a cicloficina.

O “direito de acção popular” para “assegurar a defesa dos bens (…) das autarquias locais”, previsto na Constituição da República Portuguesa (CRP), atestou a ocupação legal da escola, de acordo com o coletivo Es.Col.A.

A ocupação do edifício foi, desde cedo, motivo de conflito com a Câmara do Porto. Em maio de 2011, foi realizado um primeiro despejo. A pressão dos moradores levou, apesar disso, a que a Câmara aceitasse a reocupação da escola pelo movimento Es.Col.A, desde que se constituísse como uma associação legal. O grupo fê-lo, na expectativa de obter um contrato de comodato que, segundo alegaram, nunca chegou.

Quase um ano depois, em março de 2012, a Câmara Municipal propôs outro contrato, que previa a permanência do coletivo Es.Col.A no edifício até 30 de junho, mediante o pagamento de 30 euros mensais. Mas o grupo recusou, uma vez que esta proposta implicava a sua saída, no fim de junho.

A polémica foi reacesa em abril de 2012, na sequência de um segundo despejo, que provocou uma vaga de descontentamento – depois de uma assembleia popular que apelou à população para se manifestar. Na sequência da manifestação, um homem despejou gasolina em si próprio, ameaçando incendiar-se, e foram detidas três pessoas, por resistência e coação ao corpo policial, ao mesmo tempo que circulava uma petição pública a exigir a demissão de Rui Rio.

O coletivo Es.Col.A reagiu ao despejo e acabou por reocupar o edifício uma semana depois, num dia simbólico – 25 de abril. Após uma manifestação de apoio que reuniu cerca de mil pessoas, as placas de metal com que a autarquia tinha vedado alguns acessos foram retiradas e o movimento reentrou na escola, sem qualquer impedimento.

Agressões…de parte a parte

José Freitas, de 55 anos, foi acusado de ter agredido com um guarda-chuva um agente à civil que o afastava de uma operadora de câmara do gabinete de comunicação da CMP, que referiu também ter sido agredida. O Ministério Público (MP) acabou por proceder à alteração do crime para ofensa à integridade física qualificada.

No dia seguinte, a Polícia Municipal do Porto (PM) e os funcionários camarários regressaram, para nova operação de limpeza, que não significou, no entanto, o fim das hostilidades. Sucederam-se críticas, subscritas pela oposição política, ao corpo policial e à forma violenta com a qual executaram o despejo, bem como o processo que acusou José Freitas, António Pedro e Ricardo Ribeiro, de injúria, resistência e coação a agentes policiais.

Do Es.Col.A ao Centro de Recursos Sociais

Hoje, o espaço da escola da Fontinha abriga o Centro de Recursos Sociais do Porto, um projeto de intervenção comunitária da Câmara do Porto. “É um edifício que acolhe diversas instituições de caráter social, fundamentalmente da sociedade e também da própria Câmara do Porto”, explicou Rui Rio, em comunicado no site oficial da autarquia.

O centro acolhe diferentes instituições ligadas ao “apoio das mulheres, ao endividamento, a crianças autistas, ao combate à Sida e à inserção social”, adianta o autarca, referindo que, desde o início, a iniciativa esteve pensada para ter lugar na escola da Fontinha: “O que estava pensado para aqui foi sempre isto. Acho que isto é adequado”.

Contactada pelo JPN, a Câmara do Porto não se mostrou disponível para uma entrevista, até à data de publicação deste artigo.