“Esta é uma situação completamente evitável e que foi totalmente prevista ao longo de uma década” – é assim que Agostinho Marques, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) aborda o problema relacionado com o excesso de médicos em Portugal. “Há estudos do início da década que apontavam para o desemprego em 2013/2014, qual era a dúvida? Era só fazer as contas”, acrescentou.

Para o diretor da escola médica, “há culpados”, mas, desta vez, “a crise não é um deles”. É antes de uma “governação que caminhou para esta situação” e que não aplicou a solução mais viável: “reduzir o número de alunos para um número certo”.

A preocupação é extensível à Associação de Jovens Médicos (AJOMED), liderada por António Marques Pinto. Ao JPN, o presidente da AJOMED disse que se está “a apelar à sociedade” para que, “depois de se gastar muito dinheiro a formar médicos”, “não os entregue ao estrangeiro a custo zero”. “É um desperdício de recursos”, diz. António sublinhou ainda que a Medicina “já não é aquela maravilha”, para além de ser uma profissão de “enorme responsabilidade”.

Embora se imponha o cenário mais negativo, Agostinho Marques deixou, no entanto, elogios à atual geração de estudantes e uma mensagem positiva para os alunos de Medicina que estão em vias de acabar o curso.

Portugueses não conhecem a realidade

Agostinho Marques considera que os portugueses “estão longe de perceberem a realidade dos médicos em Portugal”. Em declarações ao JPN, o diretor da FMUP acha que as pessoas “são informadas de maneira inadequada” pois só há notícias quando “dois ou três médicos se reformam” em algum sítio e deixam vagas por preencher. Uma opinião que é partilhada por António Marques Pinto, que explica que “essas vagas são sempre preenchidas” e que, quanto muito, “há uma assimetria entre litoral e interior na colocação dos médicos”.

Roberto Pinto, coordenador da Região Norte do Conselho Nacional do Médico Interno, deu conta de uma realidade mais específica no que aos internatos diz respeito: “Vai deixar de haver vagas de especialidade para todos, o ponto de rutura já chegou”. Roberto destacou ainda o papel dos tutores e relembrou que há serviços que “têm deixado de receber internos”, pois olham para eles como um custo.

Para além do consenso geral de que há médicos a mais, há uma outra preocupação que se debruça com a qualidade da formação. “Há cada vez menos médicos a sair da especialidade que saibam apalpar uma barriga”, disse Miguel Guimarães, coordenador da Secção Regional Norte da Ordem dos Médicos. “O ensino prático está a ser prejudicado”, acrescentou.

Um ponto que foi também destacado por Manuel Pizarro, que considera a qualidade da formação como a “questão principal do tema”. O médico e ex-secretário de Estado da Saúde deixou ainda um apelo: “Todos devem ter acesso à inovação tecnológica da Medicina, ninguém deve ser afastado em virtude da sua condição económica e social”, frisou.

Esta discussão decorreu no âmbito da conferência “Qual futuro para o jovem médico?”, que encheu o auditório do Centro de Investigação Médica da FMUP, esta quarta-feira.