Eram poucos mas bons – e atentos – os que ontem se reuniram na Escola de Biotecnologia (ESB) da Universidade Católica do Porto (UCP) para ouvir António Granado falar sobre a ciência de comunicar Ciência. O jornalista da RTP cativou a plateia – composta sobretudo por investigadores e académicos – com histórias, bom humor e um conhecimento palpitante do assunto.

No nosso país, “deve haver cinco jornalistas que fazem Ciência a tempo inteiro. Cinco”, sublinhou. “É muito difícil levar a ciência aos orgãos de comunicação social”, até porque “uma transferência do Cristiano Ronaldo bate qualquer notícia de ciência” ou “isto pode esperar, porque hoje joga o Benfica”. O jornalista acredita que “ainda há espaço para fazer [notícias de] ciência nos jornais” mas o “jornalismo de Ciência está a morrer”, garantiu.

Com uma carreira marcada pelo seu primeiro editor, José Vítor Malheiros, aquando da sua passagem pelo jornal Público, o atual jornalista da RTP recordou episódios e desvendou “segredos”: “Cura, esperança e revolução eram palavras proibidas, que não se podiam escrever”, contou. “E hoje estamos cheios disto e não faz bem nenhum à Ciência”.

“Os jornalistas têm de saber diferenciar a teoria das provas práticas”, sem se levarem pelo “fascínio da descoberta”. “Por um estudo com a medula espinal de ratinhos ter tido bons resultados, não quer dizer que os tetraplégicos vão todos poder começar a andar”, explicou. É importante ter cuidado com a forma como se transmite a informação, já que o objetivo primordial do jornalismo de ciência é “aumentar a cultura científica da sociedade”.

“Se eu escrevo ‘mitocôndria’ num título, matam-me”

“O jornalismo deixou de ser uma palestra”

António Granado falou ainda do estado do jornalismo em Portugal. Diz que “os tempos estão a mudar” mas não para os “velhos media”, que “continuam obcecados com os velhos media”. Os jornalistas dificilmente compreendem a mudança, disse. Hoje em dia, “o jornalismo deixou de ser uma palestra, com o jornalista a falar de alto e os outros a ouvir e aceitar”. “O papel do jornalista está a mudar e os leitores querem participar”, garantiu. “Muitos pensam que os comentários dos leitores”, no online, por exemplo, “são lixo”, mas há coisas “extremamente interessantes”, afirmou. “É preciso saber estar nas redes sociais”.

Ainda assim, esta pode não ser uma tarefa fácil: “Há vários problemas que se colocam entre media e cientistas e várias questões que dificultam esta relação”. “O tempo, por exemplo” – os cientistas nem sempre têm tempo de responder a questões no “timing” dos jornalistas. Por outro lado, os cientistas não têm, muitas vezes, noção do impacto dos media “e do que [lhes] dizem”. “Às vezes há cientistas que ‘falam demais'”, afirmou.

A mudança de público – do especializado para o geral – e portanto, de discurso e linguagem, também nem sempre é bem apreendida pela comunidade científica. “Se eu escrevo ‘mitocôndria’ num título, matam-me”, brincou o jornalista. Mesmo que a ‘simplificação’ das coisas, por vezes, também incomode os cientistas: “Depois, na comunidade científica, pensam que fui eu que disse isso assim”, exemplificou, colocando-se na pele dos investigadores.

Em resposta à pergunta que o trouxe ao Porto e que foi mote da conferência [Os jornalistas ainda servem para alguma coisa ou é melhor ignorá-los?], António Granado não questiona a importância deste tipo de jornalismo e acredita mesmo que “a ciência nos ajuda a ser melhores cidadãos” – há é que chegar a informação à sociedade, de preferência através de jornalistas que “têm de gostar” da área e informar-se bem sobre o assunto, com as fontes certas. Para que os continue a haver nas redações, fala de “ajudas ao Governo às secções de Ciência”, por exemplo.

Já aos cientistas, deixa alguns conselhos: “A divulgação de temas através de blogues espcializados” ou “sites de jornalismo colaborativo que divulguem o que se faz em universidades e institutos”. É bom para esclarecer as coisas, até porque, “às vezes, fica-se com a impressão de que é tudo muito fácil e imediato”, diz alguém da plateia.