Adam “Daisy” Dresner tem 26 anos e percorre descalço as estradas da Europa. À boleia e sem dinheiro no bolso, já visitou a grande maioria dos países, desde a costa oeste da Península Ibérica até às zonas mais geladas da Escandinávia. Qual o seu país preferido? A resposta é difícil, mas talvez a Grécia seja a escolha mais provável.

O interesse por Blur, Daniel Johnston, My Bloody Valentine ou Nick Cave trouxeram-no à cidade Invicta e aos portões do festival. Sem bilhete, à chegada, pediu simplesmente para entrar.

“Hi, I would like to go in” [Olá, eu gostava de entrar]

Era início de fim de tarde quando Daisy Dresner chegou ao recinto do Primavera. Na zona de troca de pulseiras, encontrou Rute Azevedo, membro da organização, e pediu-lhe, de “uma forma lógica e honesta”, para entrar: “Chegou aqui e pediu-me um bilhete da forma mais simpática de sempre; disse que se não deixassem entrar não havia problema e que ficava aqui, à entrada, a ouvir os concertos ao longe e a aproveitar o ambiente”, contou a colaboradora ao JPN.

Interessada na história de Daisy, a organização acabou por permitir a entrada ao viajante norte-americano, natural de Boston. “Olá, gostava muito de ouvir algumas bandas”, disse, como ponto de partida, para a história que contou de seguida: Tinha 23 anos quando deixou os Estados Unidos para viajar pela Europa. Começou com um orçamento baixo, mas depressa percebeu que é “mais fácil estar sem dinheiro do que viver com pouco dinheiro”. Hoje, defende uma forma de vida errante, baseada na inter-ajuda e na confiança entre pessoas: “A maior lição que as pessoas devem aprender é confiar nas pessoas”, disse ao JPN.

O início da história

Daisy era uma criança, mas recorda os livros e as músicas que leu e ouviu. Lembra-se, sobretudo, das histórias contadas pelo pai – que abraçou o estilo hippie, em San Francisco, nos anos 60. Contos reais sobre viagens e lugares noutros cantos do mundo inspiraram o começo de uma viagem sem destino fixo que começou há três anos, com a travessia para o lado de cá do Atlântico.

Já em viagem, assumiu um ponto de vista de rejeição do dinheiro e da sua utilização para obtenção de bens. Em entrevista ao JPN, questiona os princípios da sociedade e o sentido do trabalho cuja única finalidade é a obtenção de dinheiro. Relativizando, por isso, o valor das coisas, baseia-se na confiança e na inter-ajuda: “Porque não perguntar a uma pessoa ‘podes ajudar-me com isto e eu ajudo-te com aquilo?'”.

“Quando chego a um lugar faço amigos muito rápido”, afirma. A viagem permantente faz com que tenha abrigo em nos vários locais por onde passa. No que à comida diz respeito, é comum juntar-se a um grupo de amigos e oferecer-se para cozinhar em troca de alguns ingredientes. É “simples”, diz: “Eles ficam felizes por alguém cozinhar para eles, eu fico feliz por comer. Todos ficam felizes”, garante.

À boleia por uma Europa de várias línguas

À boleia pela Europa, Daisy costuma encontrar transporte nas bombas de gasolina e estações de serviço. A passagem por vários países faz com que saiba várias palavras de mais de muitas línguas, sem que, no entanto, seja capaz de falar nenhuma de forma fluente. “Vai na direcção Lisboa?” são as únicas palavras que – além de “obrigado” – consegue articular em português.

E apesar das situações de assédio com camionistas e dos assaltos sofridos, salienta a importância de não estereotipar. “Olha, aquele tipo tem uma faca na mão; talvez seja melhor ir na outra direção. Na maior parte das vezes aquele homem com a faca só quer cortar e oferecer uma fatia de queijo”, exemplifica. “No fim, sinto-me melhor por confiar na pessoa do que por não confiar”.

Diferenças entre fronteiras

Em conversa, salienta as diferenças entre os vários países que visitou. A título explicativo, fala da Noruega e da aurora boreal: “É incrível, adoro quando o vento passa e, 30 segundos depois, a minha barba se transforma num bloco de gelo”. Apesar dos preços serem mais altos, o amor de Daisy pela Noruega mantém-se e acredita que, por ninguém ser de facto “pobre”, as pessoas não se preocupam tanto com o dinheiro como nos restantes países europeus.

O futuro e ideologias

Sendo um homem que foge aos padrões do regular, Daisy relembra um episódio, numa das aulas de política que teve enquanto frequentava a escola. Nessa aula, o professor dirigiu-se à turma e perguntou: “Se pudesses escolher um rei ou um presidente para liderar o mundo, quem escolherias?”. Para Daisy, a resposta foi óbvia: ele mesmo. “Sou a única pessoa que vai concordar com tudo o que digo e faço”.

O jovem é da opinião de que “não se deve dar um valor à própria vida nem ao que se quer fazer da vida” e pedir na rua nunca foi uma alternativa a considerar: “Em vez de pedir, porque não ir a uma comunidade e simplesmente pedir para lá ficar?”.

Apesar de não se imaginar com outro estilo de vida, Daisy tem a consciência de que um dia terá de adoptar outro. Pretende, no entanto, manter as convicções. O ideal seria juntar três conceitos: “comida, educação e amigos”. “Eu gostava de criar uma espécie de quinta comunitária, onde as pessoas possam ir, ensinar o que sabem aos outros, ouvir música, cozinhar… Tudo sem dinheiro”.