Empreendedorismo é a palavra de ordem quando se fala em projetos inovadores, sobretudo tecnológicos. Por sua vez, quando se fala em ficção, o mais certo é que venha uma palavra à mente: telenovelas. Três grupos de jovens portugueses decidiram unir as duas áreas e trazer boas novas ideias à ficção nacional: “Heresia”, “Sangue Frio” e “There Is Something I Need To Tell You” (“Tsintty”). Os dois primeiros são séries televisivas, ao estilo americano, enquanto o terceiro é uma curta-metragem.

Além do diferente formato daquele de uma telenovela, estes projetos também trazem temas menos – ou mesmo nunca – abordados na ficção nacional. “Heresia” e “Sangue Frio”, séries televisivas, trabalham no género do fantástico e “Tsintty” é uma curta-metragem aborda a temática do amor igual para todos, independentemente da orientação sexual das pessoas.

“Heresia”: A chave de Enoch e os estranhos homicídios em Viana do Castelo

Laura Milheiro, produtora de “Heresia” e um dos membros fundadores da Frame Productions, desvendou um pouco da história desta série, que se passa em Viana do Castelo.

“Acima de tudo, queremos fazer uma coisa diferente”

Laura Milheiro, produtora

O enredo gira em volta de uma analista de investimentos que chega a um hospital psiquiátrico e se apercebe que alguma coisa está mal. Assim, descobre que os médicos andam a fazer experiências com os pacientes. Isto relaciona-se com chave de Enoch – uma experiência de 64 passos para chegar à divindade. Simultaneamente, passam-se estranhos homicídios em Viana do Castelo.

A equipa da Frame começou por fazer vídeos para bandas e DJ’s. Com “Heresia”, a produtora parece ter encontrado o rumo que deseja, segundo Laura. “O argumentista veio ter connosco e disse que tinha visto alguns trabalhos nossos e propôs-nos a série, apresentou-nos a ideia e nós adoramos“. “Acima de tudo, queremos fazer uma coisa diferente”, sublinha.

A Frame escolheu o género do fantástico porque não é usual em Portugal. Além disso, a série será feita ao estilo americano – com 13 episódios de 45 minutos. “Decidimos este tempo de duração porque as pessoas, especialmente os jovens, não têm tempo para episódios maiores”, conta.

A equipa de 14 de pessoas teve de gravar com poucos recursos. “Não tínhamos dinheiro mas tivemos imensos patrocínios e parceiros que nos ajudaram a nível de mobiliário e vestuário”, explica Laura, acrescentando que tiveram ainda de investir algum dinheiro próprio para deslocações, alimentação, estadia e cenários.

Por enquanto, apenas o piloto foi gravado e a Frame tenta levá-lo a diferentes canais para que possa ser vendido e, assim, fazer a totalidade da série. A principal dificuldade é chegar às pessoas. “Nós ainda não temos muitos contactos para facilitar as negociações com os canais televisivos. Mas isso é bom porque nos torna persistentes“, diz.

“Sangue Frio”: Fechados num centro comercial para fugir aos zombies

O piloto de “Sangue Frio” gira em volta de um apocalipse zombie. Um conjunto de oito pessoas refugiam-se num centro comercial, que foi encerrado e se encontra abandonado, em busca de comida e proteção da ameaça que está fora do edifício.

“Encarei este projeto como um desafio”, afirma Vasco Rosa, realizador do primeiro episódio de “Sangue Frio“, depois de alguma experiência no ramo das curtas-metragens. “Conduzi e produzi o episódio como se fosse uma longa-metragem – com maior preparação prévia, gravações à noite, etc. Foi uma curta em ‘grande'”, conta.

“Encarei este projeto como um desafio”

Vasco Rosa, realizador

À semelhança de “Heresia”, também a série de mortos-vivos foi proposta a Vasco. A ideia inicial abordava o sobrenatural de uma forma mais abrangente, mas o conceito não mostrava, para o realizador, sucesso nas vendas. No entanto, o nome do projeto agradou a Vasco, a quem surgiu a ideia de uma série sobre zombies.

“Sangue Frio”


O sistema não-remunerado de “Sangue Frio” significa que todos os atores decidiram participar gratuitamente, tal como em “Heresia”

Vasco conseguiu fazer muito com pouco. Com um orçamento de 1600 euros, toda a equipa da ByronProduções, da qual o realizador faz parte, conseguiu gravar as cenas do episódio piloto. “As pessoas interessaram-se, gostaram e quiseram participar. Assim, gerou-se uma mini máquina “hollywoodesca” e conseguimos fazer isto e levar o projeto para a frente praticamente sem meios nenhuns”.

O episódio gravado serve apenas para mostrar aos canais televisivos. Por enquanto, a equipa tem apenas um contacto informal com um canal que mostrou interesse.

Depois do piloto ser vendido, Vasco e a ByronProduções vão escrever o argumento dos restantes 12 episódios. O objetivo é começar as filmagens em outubro e, em dezembro, estrear o primeiro episódio. Depois, seguem-se novos episódios de 25 minutos, todas as semanas.

“Tsintty”: O amor é transversal a qualquer relação

“A ideia de “Tsintty” proveio de acontecimentos da minha própria vida pessoal que me levaram a certa altura, como desabafo, transpor tudo o que pensava para papel”, explica Rui Pedro Sousa. Assim, nasceu “There Is Something I Need To Tell You”, uma curta-metragem realizada por Rui Pedro Sousa, responsável pelos efeitos visuais de “Balas e Bolinhos 3”.

Trailer “Tsintty”


“Desejo muito ouvir: ‘Era mesmo um filme assim que eu estava a precisar de ver hoje!'” – Rui Pedro Sousa

Tsintty” aborda alguns temas relacionados com o amor e como este é transversal a qualquer relação, seja hetero ou homosexual. “Penso que, infelizmente, ainda existem pessoas de fraco espírito e presas no tempo, retrógradas ao ponto de não saberem ver que as pessoas merecem viver segundo os seus princípios e desejos”, esclarece Rui.

O realizador não poupa ainda nas críticas aos apoios dados a algumas produções. “O apoio cinematográfico para um filme que retrata a realidade dos nossos dias é rejeitado. É pena ver que, provavelmente, são dados milhares de euros a filmes ditos de autor, ditos do cinema português, com planos de mulheres nuas na cama a ter relações sexuais, mas é este o nosso país”, desabafa.

“É pena serem dados milhares de euros a filmes ditos do cinema português, com planos de mulheres nuas na cama a ter relações sexuais, mas é o nosso país”

Rui Pedro Sousa, realizador

Os apoios que a curta-metragem necessitou durante a pré-produção e produção do filme foram dados por “uma equipa de profissionais fantástica e um grupo de atores incrível”, garante. Rui explica que foi deles que veio o tempo, dinheiro e todo o trabalho para “Tsintty”. A isto, acrescenta-se alguma ajuda em termos de cedência de locais para filmar e empréstimo de equipamento.

Neste momento, a curta está pronta e já foi a concurso para o festival internacional de Vila do Conde. Depois, a equipa irá enviar a obra para o maior numero de festivais possível, nacionais e internacionais e esperar para ver o resultado.