“Esta ação tinha tudo para falhar”, mas não falhou e está “em cena” desde dia 17 de junho, na Estação de Metro de São Bento. Quem o diz é Carlos Costa, que concebeu e produziu o espetáculo. “Corpo Casa Rua” foi escrito com base nas conversas que foram tendo com cada grupo isoladamente. “Durante mais ou menos três meses, trabalhámos com cada um dos grupos em separado, mas sempre a partir do mesmo tópico. Todas as semanas criávamos material que tinha a ver com a forma como aquele grupo refletia esse tema, fosse uma questão mais íntima, as questões do corpo ou até às questões da casa e da rua. No fim, esse material foi organizado em forma de guião”, explica.

Os grupos de que Carlos fala são aqueles que só se conheceram uma semana antes de contracenarem – ninguém o diz, quando os vê “em palco” – e que se representam a si próprios. São os meninos do Serviço Educativo do Balleteatro, a rondar os 12 anos, o grupo dos 20-30 anos do Serviço Educativo do Visões Úteis, as raparigas reclusas do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo e o grupo de jovens idosas, entre os 60 e os 80 anos da Freguesia de Santo Ildefonso.

Ao longo dos três meses em que se dedicaram a este projeto, no entanto, foram-se conhecendo sem se conhecer, através dos ‘monitores’. “No fim, começaram mesmo a ter curiosidade uns em relação aos outros”, conta Carlos.

“Uma coisa cá dentro, muito grandiosa”

Agora, é como se tivessem ensaiado juntos desde sempre e a química, entre pessoas de contextos e gerações muito diferentes, é visível. O objetivo é mesmo esse: ser “um encontro entre pessoas que nunca se juntariam na vida, por razões culturais, geracionais, económicas ou sociais, e que se juntam finalmente neste espaço para partilharem um pouco da cidade e do mundo, para perceberem o que de facto têm em comum, sem querer criar falsos consensos”, esclarece.

O que é certo é que esta é uma ação muito diferente de todas as outras: “Não está preocupada com quem vê, mas sobretudo com quem faz”, diz. E sem falsos consensos, todos parecem estar a adorar a experiência. Teresa Ramalheiro tem um ar tímido e sossegado. Por isso, o primeiro contacto com o projeto foi algo constrangedor. “Nunca fiz este género de coisas, mas estou a gostar bastante”. “Foi bom para sairmos do mundo onde vivemos”, explica a reclusa.

O projeto

O projeto, que tem a colaboração do Teatro Nacional de São João, surgiu como uma forma de juntar as duas valências do coletivo Visões Úteis: o serviço educativo e a produção/criação. Nem sempre foi fácil e atravessou algumas dificuldades, muita burocracia e ainda várias revisões, “em termos orçamentais”, “por causa dos cortes de financiamento públicos à criação artística”, explica Carlos. A peça estreou a 17 de junho e só termina a dia 21. Acontece todos os dias, às 18h, na Estação de Metro de São Bento. A entrada é gratuita.

Um pouco mais além, um grupo de senhoras entusiasmadas a quem ninguém dá 69, 70 e 71 anos. Uma escadinha formada por Fernanda Barros, Margarida Pinto e Emília Gonçalves, respetivamente. Com energia para “dar e vender”, Fernanda é a cantora do espetáculo. “É formidável!”, atira. Já Margarida é mais contida: “Está a ser muito enriquecedor, é bom para sair, distrair e conviver”, sublinha. Depois Emília: “Primeiro sentimos alguma dificuldade, mas depois o espírito de convivência com as várias gerações dá-nos uma coisa cá dentro, muito grandiosa, e nós damos muito valor a isto”, termina.

Mais novinhas, são Patrícia Martins, de 25 anos, e Ana Leonor Quinta, de 10. Para Patrícia, é um projeto que “melhora a cada dia” e serve para “quebrar preconceitos”. Já a pequena Ana grita um “iupiii” entusiasmado e garante que ficou “logo cheia de curiosidade” quando a professora lhe falou do projeto. “É uma ideia muito engraçada e são todos muito simpáticos”, afirma.