Cerca de 90 por cento da espécie humana comunica através do beijo, mas ele é muito mais do que o contacto entre lábios. É que é através de um beijo, por exemplo, que se escolhe o parceiro sexual, diz-nos Margarida Braga, do Departamento de Psicologia Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), citando um estudo de 2007 [PDF] publicado na revista científica “Evolucionary Psicology”, sobre as diferenças de género em relação ao ato de beijar.

Esta distinção entre homem e mulher está relacionada com o nome que se dá à ciência do beijo – a filematologia, devido a uma característica etológica. “Pensa-se que de alguma forma cabe às fêmeas escolher o seu parceiro para procriar e que têm uma obrigação filogenética de encontrar um bom companheiro”, explica a docente.

Mas afinal de onde vem o beijo? Existem pelo menos duas explicações que podem esclarecer a sua origem. De um lado, Margarida Braga refere-nos uma teoria apontada: “Existem teorias de que o beijo tem a ver com a alimentação boca a boca, como as aves, em que a mãe deposita com o seu bico a comida no bico da ave. Mas já há desafios a esta tese. De alguma forma os cuidados maternais passam muito pelo beijo, de ensinar à criança a importância desta manifestação”. Por outro, em relação ao beijo com conotação mais sexual, sabemos que se relaciona com o olfato e o paladar, uma explicação dada ao Ciência 2.0 por Ana Alexandra Carvalheira, presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica: “É muito possível que tenhamos começado a beijar para sentir o gosto e o cheiro de alguém”.

Estes dois sentidos, olfato e paladar, têm uma função importante no beijo. De acordo com Ana Carvalheira, o olfato é “o órgão mais primitivo e mais poderoso a nível sexual naquilo que é a atração e o prazer”.

Prazer, bem-estar e menos stress

O beijo liberta a oxitocina, uma hormona ligada ao amor e também excitação sexual. Através desta libertação, aumentam também os níveis de dopamina, neurotransmissor associado ao prazer, pois o circuito cerebral considera positivo o incremento da oxitocina. Esta substância faz-nos referir mais uma diferença entre homem e mulher esclarecida por Margarida Braga – é que “aumenta mais nos homens do que nas mulheres”.

Sabe-se, resumindo, que a estimulação cerebral causada por um beijo leva à produção de oxitocina, noradrenalina, dopamina e serotonina [influenciam o humor, ansiedade, sono e alimentação]. Para além desta libertação, desencadeia-se também, durante os preliminares do ato sexual, fenómenos periféricos na dependência da libertação de testosterona e da sua degradação em estradiol (hormona sexual). A saliva contém ainda testosterona, sendo uma das explicações prováveis para alguns estudos referirem que os homens preferem beijos mais húmidos e com a boca mais aberta (o que favoreceria a estimulação sexual da mulher e permitia também avaliar a fertilidade e o ciclo estrogénico), segundo nos explica Margarida Braga, citando a antropóloga Helen Fisher.

Seletividade do sistema imunológico

O beijo também está relacionado com o sistema imunológico. “Há um estudo recente que diz que o beijo serve para as mulheres serem expostas a determinados anticorpos que lhes desencadeiam uma reação imune de forma a preparar para a escolha do par: há um “‘match imunológico'”, explica Margarida Braga. “Como a saliva é rica em compostos químicos seria uma forma de identificação imunitária, as células poderiam identificar outras com quem seria vantajoso conjugar”, acrescenta.

Para além disso, sabe-se que o beijo tem vários benefícios. Um deles está relacionado com uma forma de combate à depressão, facto que, de acordo com a docente, ainda não está comprovado totalmente. Com um ósculo, um sinónimo para este ato, baixam-se os níveis de cortisol, uma hormona que rege a resposta ao stress do nosso organismo, sendo que é considerado um calmante natural.

Beijar faz ainda com que o nosso sistema imunitário fique reforçado, visto que ele aumenta a sua atividade. Transmitimos vírus através deste contacto físico e por isso se promove “uma espécie de defesa e um fator de equilíbrio homeostático entre nós e o ambiente”, refere Margarida Braga. Este reforço é conseguido não apenas através da composição dos fluidos de um beijo, mas também a nível central, pois o cérebro tem a capacidade de equilibrar este sistema.