Nasceu e cresceu durante os quase 12 anos em que Rui Rio esteve à frente da Câmara do Porto. Hazul, artista sem rosto, apenas paredes e voz, desvaloriza a alegada “campanha anti-graffiti” desencadeada pelo atual presidente da Câmara. “Vou conseguir prolongar o meu mandato além do dele”. Fomos à Rua S. Pedro de Miragaia e sentamo-nos com o writer num degrau com vista para “Florescer”, exposição ao ar livre e de acesso livre, sem data para terminar, de dez obras que o jovem portuense pintou nos emparedamentos existentes no percurso. Com as autárquicas à porta, algo irá mudar? “A tendência é que as relações entre quem pinta e quem governa se tornem mais harmoniosas”.

“Florescer” é uma exposição ao ar livre, “inaugurada” a 20 de julho, sem data para terminar. Gostava que fosse para sempre?

Eu estou habituado que as pinturas sejam apagadas, mais cedo ou mais tarde. Para mim o ideal, pintando em sítios abandonados, é que a pintura seja apagada quando o sítio for reabilitado. Estar a apagar a pintura e manter o lugar abandonado não faz muito sentido. Se as pinturas forem apagadas, o sítio for reabilitado e for também vantajoso para as pessoas que aqui habitam, eu acho excelente.

As suas pinturas são então uma sinalização de sítios que merecem ser reabilitados?

A ideia principal não é essa, mas aproveito o facto de os locais estarem abandonados e esquecidos para pintar. O interesse que tenho é mesmo pintar e transformar o sítio num local mais simpático. Não é para reforçar a ideia de abandono. É mais para aproveitar o suporte.

Esta exposição surge depois da celeuma que a atividade da brigada “anti-graffiti” levantou. É uma provocação?

Não, de forma alguma. Eu nunca estive em guerra, nem com a Câmara, nem com essas brigadas. Não faço o meu trabalho em função disso, em função de provocar ou confrontar. A brigada faz o trabalho deles, que é limpar, e eu, neste caso, continuei a fazer o que já fazia antes. Continuar a pintar. Não foi em resposta a essas brigadas. E penso que também não viram isto como algum tipo de afronta.

Qual é a tua posição em relação à Lei n.º 61/2013?

Sempre existiram multas. Não tendo autorização para pintar, sei que se for identificado também estou sujeito a pagar uma multa. Claro que, na minha perspetiva, isso nunca é justo, porque a minha ideia é embelezar um local ou torná-lo mais agradável. Também tenho a preocupação de não ser agressivo, de ser uma mais-valia para o local. Obviamente que nessa perspetiva a multa não faz sentido. Mas compreendo que, por parte de quem redige a lei, é uma forma de se proteger. Se, por ventura, tiver algum problema, espero que haja bom senso.

Já alguma vez pagaste uma multa?

Não, não. O meu dinheiro é investido nas pinturas, não em multas (risos).

Rui Rio é hoje conhecido como um autarca “anti-graffiti”. O teu percurso poderia ter sido diferente?

É verdade, é verdade. E eu consegui fazer carreira com ele (risos). Eu não tenho grandes problemas com o presidente da Câmara do Porto. Ele está na Câmara há quase 12 anos, o que coincide mais ou menos com o meu início de carreira. Ou seja, vou conseguir prolongar o meu mandato além do dele – o que é vantajoso – e realizei quase todo o meu trabalho durante os 12 anos em que ele esteve na Câmara. Posso-me queixar de não ter tido nenhum tipo de apoio; agora não tenho grande coisa a apontar, a não ser a diferença de opinião em relação às coisas. Acho que ele está a ser coerente com as suas próprias ideias. De certa forma, acho bem que ele faça o que acha mais correto para a cidade, mas se calhar devia ouvir mais as pessoas.

Com as eleições autárquicas à porta, que tipo de postura espera do próximo presidente?

Mais difícil do que o presidente atual… não é muito fácil. A tendência é que as relações entre quem pinta e quem governa se tornem mais harmoniosas. Penso que o que faltou a Rui Rio foi, ao fazer uma limpeza, não se preocupar em saber se havia pessoas que contribuíam positivamente para a cidade – que é o caso de algumas pessoas que estão interessadas em pintar e em tornar os locais mais agradáveis. Penso que o próximo presidente já terá isso em conta. Qualquer cidade tem uma equipa que vai limpando as ruas. É conveniente haver essa atenção, tanto para as ruas, como para as paredes. Mas também deviam existir espaços para as pessoas pintarem e periodicamente haver eventos que o apoiassem. Não é só proporcionar um espaço, mas também englobar a pintura mural e a pintura de rua. Para, de certa forma, apoiar e permitir que as pessoas sejam valorizadas.