Portugal é o país da União Europeia com o maior número de cursos de psicologia por milhão de habitantes: 2,67. Praticamente o dobro do Reino Unido, o quádruplo de Espanha. Todos os anos, 1600 potenciais futuros profissionais saem das universidades, ainda que o Instituto do Emprego e Formação Profissional trace um cenário negro: 4091 psicólogos desempregados no primeiro trimestre de 2013.

Números com que a jovem Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), atualmente em período eleitoral, se depara todos os dias, num cenário, dizem, repleto de contradições: “Temos 567 psicólogos no Serviço Nacional de Saúde quando deveríamos ter 1730”, exemplifica o bastonário Telmo Baptista. “Ou seja, temos desemprego de psicólogos mas continuamos a ter necessidades”.

“Há psicólogos a mais, o que não quer dizer que estejam bem distribuídos”, concorda Rui Abrunhosa Gonçalves, o psicólogo e investigador que desafia o atual bastonário nas eleições de 18 de outubro. “Compete à Ordem pressionar o poder político no sentido de influenciar o aparecimento de algumas leis e criar lugares para os psicólogos”. Este é, aliás, um dos pontos em que as duas listas concorrentes estão em consonância e ambas olham com preocupação para o panorama do Ensino Superior.

Interceder junto do ministério e da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) no sentido de diminuir as vagas e os cursos é um trabalho que já tem vindo a ser feito e, apesar das limitações da capacidade de intervenção da OPP, com resultados, salienta Telmo Baptista, para quem “não faz sentido” que se registem estes “números avassaladores”. Rui Abrunhosa está, aliás, “convencido” que se vai assistir, no futuro, a um “escalonamento”: “Umas faculdades vão estar aptas apenas para licenciatura, outras para mestrado, etc.”.

Falta “transparência” nas formações

Até janeiro, a OPP contava com 19.903 psicólogos inscritos, que são agora convocados para as primeiras eleições com uma lista alternativa à atual direção. Encabeçada por Rui Abrunhosa, que é atualmente secretário da mesa da Assembleia, “Psicologia Plural” defende uma maior participação dos membros, abraçando a “pluralidade” da profissão e valorizando os investigadores, e mais autonomia para as Delegações Regionais; por outro lado, censura o despesismo da estratégia da internacionalização da atual direção e a falta de transparência das formações dos jovens estagiários.

Para Abrunhosa, a formação, incluída no estágio profissional (que tem o custo de 240 euros por ano), obrigatória para todos os membros estagiários, e que inclui módulos como Empreendedorismo e Ética e Deontologia – à luz do recente Código Deontológico – não deveria ser orientada por membros da direção, mas sim de forma independente e externa, assegurando assim maior “transparência” e “credibilidade”. “Quem dirige não deve dar formação”, declara o docente da Universidade do Minho, que censura esta “mistura de papéis”. Também o “elevado valor das quotas” numa altura de crise é um ponto de discórdia. Hoje, para além do registo e da inscrição iniciais (80 euros e 100 euros, respetivamente), os psicólogos formados há menos de cinco anos pagam 96 euros por ano; para os restantes o preço é de 144 euros. A Lista A quer aumentar este período para oito anos; a Lista B pretende baixar o valor para, em princípio, menos de 100 euros e criar um “esquema de flexibilização” no pagamento de quotas para desempregados de forma a que não “percam o direito de exercer a profissão”. Objetivo: “Que não seja a Ordem ou o pagamento das quotas um entrave ao exercício profissional”.

Propostas que são desvalorizadas pelo atual bastonário e candidato da Lista A – “Afirmar os Psicólogos“. Telmo Baptista não vê “necessidade de tornar as formações externas” até porque “se perderia em qualidade”. “A Ordem”, diz, “tem tudo bastante claro, bastante avaliado”, logo o perigo da descredibilização não se coloca. Já a flexibilização de pagamentos para desempregados é uma “falsa questão” porque é possível suspender a inscrição e não pagar quotas, já que não se está no exercício da profissão. A reintegração tem, para já, o custo de 75 euros, mas o bastonário garante que vai ser proposta à Assembleia a anulação deste pagamento.

Portugal ou o mundo?

A defesa dos estágios profissionais remunerados é um dos grandes cavalos de batalha da Lista A, bem como a criação de novas oportunidades de trabalho. Na semana passada, por exemplo, foi criada uma Bolsa de Emprego. Palavras como empreendedorismo e internacionalização são constantes no programa. No anterior mandato, por exemplo, já foi realizado um protocolo de microcrédito e têm sido feitos contactos com a CPLP e até no contexto ibero-americano, um “espaço maior e mais alargado”, uma vez que Telmo Baptista é o atual presidente da Federação Ibero-Americana de Associações de Psicologia (Fiapsi). A emigração é uma solução para os psicólogos portugueses? “Não pensamos assim. O que queremos é criar oportunidades e abrir espaços de trabalho, por exemplo, à distância. Podem ser pontuais, em que se vai e volta-se. Há trabalhos que até podem ser feitos via Skype”.

Também Rui Abrunhosa vê a emigração com algum descrédito. Primeiro, porque os cursos de Psicologia do outro lado do Atlântico “estão a surgir como cogumelos”; depois, porque há “questões interculturais” que podem dificultar o trabalho. Quanto à aposta da direção na internacionalização da OPP, o candidato afasta-se dessa opção, optando por investir “cá dentro”, por exemplo, no reforço dos serviços jurídicos. “Há muito a fazer por aqui. Eu estou mais interessado em arrumar a casa dos psicólogos portugueses e a ser mais eficaz a esse nível do que propriamente que se saiba por todo o mundo que temos uma Ordem. Não é prioritário para mim”.