“[Esta vitória] tem um sabor muito doce. É um pequeno grande passo e é história que se faz neste país”, afirma Rita Silva, presidente da Associação ANIMAL, que nos últimos tempos lutou pela criminalização dos maus tratos a animais de companhia e esta sexta-feira, 6 de dezembro, viu o projeto lei ser aprovado pelo Parlamento.

O projeto de lei que criminaliza os maus tratos a animais de companhia foi apresentado pelo Partido Social-Democrata (PSD) e foi acompanhado por outro: um diploma apresentado pelo Partido Socialista (PS) para um regime sancionatório [ver caixa 1] que também alarga os direitos das associações zoófilas.

Ainda “falta fazer muito” e “os projetos ainda vão ser trabalhados” mas nada rouba a satisfação a Rita: “Já ninguém nos tira a criminalização. Isso não. Nem a moldura penal, que já é uma coisa completamente maravilhosa”, exalta, em entrevista ao JPN. “Imagine o que é os estudantes de direito, por exemplo, passarem a aprender na faculdade que há crimes contra os animais. É uma coisa absolutamente inédita neste país”.

“Provou-se que quando a sociedade civil se mobiliza, ganha”

1. As sanções

A “quem praticar um ato de violência injustificada contra um animal de companhia, independentemente da titularidade do mesmo, é punido com pena de prisão de seis meses a dois anos ou com pena de multa”. Se dessa ação resultarem “lesões graves ou permanentes ou a sua morte” a sanção passa a “pena de prisão de um a três anos ou pena de multa”. Já as coimas serão de 500 euros a 5 mil euros, no caso de pessoa singular e de 1500 euros a 60 mil euros no caso de entidades coletivas, agravadas em caso de reincidência. Ficam também previstas penas acessórias, como a privação do direito de detenção de animais pelo período máximo de 10 anos. A lei de 1995, que aprovou o quadro geral da proteção animal, já remetia a definição de sanções para um diploma posterior, que nunca chegou a ser discutido ou aprovado.

Uma prova de que a sociedade está a mudar na forma de encarar os animais: “As pessoas estão fartas da situação em que as coisas estão e querem realmente mudar. E conseguem. Provou-se que quando a sociedade civil se mobiliza, ganha”. Com a ajuda, talvez de um “árduo trabalho de lobbying político feito pela ANIMAL nos últimos anos” e a “colaboração com deputados favoráveis à causa”.

Cristóvão Norte, deputado do PSD, acredita que o projeto de lei apresentado pelos sociais-democratas “faz história no avanço da proteção dos animais em Portugal”. Já o deputado do PS Pedro Delgado Alves alerta para o facto de estas iniciativas legislativas não dispensarem “outro trabalho” na área da proteção dos animais.

A bancada do CDS-PP, que não se regia por uma posição oficial, mostrou-se mais dividida. João Rebelo foi o único do partido que aprovou os dois projetos lei. No do PS, votaram ainda a favor o PS, o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV). PSD e o Partido Comunista (PCP) abstiveram-se. No do PSD, votaram também favoravelmente o PSD, o PS, o BE, o PEV. O PCP e alguns deputados do CDS preferiram a abstenção.

O deputado Miguel Tiago, que clarificou a posição do PCP, explicou que o partido está disposto a discutir e legislar em matérias como as condições dos animais em espectáculos e parques zoológicos e a eutanásia de animais, mas justificou a discordância à criminalização dos maus tratos, considerando que “a tipologia do crime é vaga em alguns aspetos e dificilmente poderá corresponder a uma solução que passe por pena de prisão”.

Pedro Filipe Soares, por sua vez, declarou o compromisso “de corpo e alma” dos bloquistas em iniciar um trabalho de aprofundamento da proteção dos direitos dos animais. Enquanto isso, Heloísa Apolónia, do PEV, alertou para a importância da fiscalização e meios para que se realize, já que “não servirá de muito ter legislação que depois não é aplicada”.

“Agora estamos a falar de crimes”

2. O futuro

Agora, espera-se que esta situação leve “depois a outras alterações, nomeadamente no código civil”, onde os animais ainda são encarados como “coisas”. Ou seja, os maus-tratos são penalizados na medida em que põem em causa o direito de propriedade do dono de animal, o que ainda deixa de fora os animais errantes, que não têm dono.

Neste aspeto, do passar da teoria à prática, Rita Santos está “muito positiva”: “Acreditamos que sim, que vai funcionar. Como todas as mudanças, no início vai haver alguma resistência… faz parte. Mas vamos trabalhar com os legisladores para que se foque na fiscalização e na formação das entidades administrativas, para terem noção de que agora têm realmente de fazer cumprir a lei a sério, porque agora estamos a falar de crimes”, explica.

“Esta decisão acaba por ser um pouco mais de combustível no nosso depósito para que nós consigamos ter um pouco mais de força para continuar”, diz Rita. “Trabalhar em causas é muito complicado, moroso e burocrático…”, desabafa, mas a próxima “já está no forno” e “quase sair”, garante.

Esta vitória é, segundo a ANIMAL, dedicada ao ex-deputado do PSD António Maria Pereira, “pai dos direitos dos animais em Portugal”; e Nelson Mandela, que faleceu um dia antes da aprovação. “Toda a injustiça é a prazo”, diz a Associação, evocando o ex-líder sul africano.