Criaram uma orquestra de rádios para que “as pessoas aceitem o ruído”, mas não à força, claro. Sempre que a SAS Orkestra de Rádios (o acrónimo remete para Simão, Ana e Sónia, ou vice-versa, com uma piscadela de olho ao código S.O.S.) atua, há uma parafernália de antenas, colunas e rádios pelo chão, uma balbúrdia de cabos a servirem de auto-estradas e uma quanta estática com um nadinha de feedback a cozinhar tudo, como que um cheirinho de theremin. É uma descrição redutora, diga-se. O que eles fazem é “dar uma nova vida” a objetos que estavam encostados lá em casa e, pelo meio, às pessoas que os estão a ouvir e a ver.

É que este é um projeto que funciona em três frentes, correspondentes às três áreas criativas de cada um dos membros: Simão Costa pela música (é pianista e compositor), Ana Trincão pelas artes performativas (frequenta um mestrado na área em Berlim) e Sónia Moreira pelas artes plásticas (trabalha com as necessidades educativas especiais no campo artístico). Os três, amigos há dez anos, decidiram, por fim, no ano passado trabalhar em conjunto. De uma residência artística em São Pedro do Rico Seco, em Almeida, resultou então esta inusitada orquestra.

Na base estava a vontade de conciliar as diferentes áreas artísticas num só projeto, mas outros braços foram crescendo. Um dos propósitos do programa da residência era a interação com os moradores. “Estamos a falar de uma aldeia de 180 habitantes”, frisa Simão, em entrevista via Google Hangouts (em três frentes, uma vez mais: Porto, Lisboa e Berlim). Queriam “qualquer coisa” que fosse interativa, que os aproximasse das pessoas “de uma forma lúdica e com um lado inusitado”. “Percebemos que havia potencial nesta questão dos rádios, quer em termos plásticos, quer performativos e musicais, com as antenas como instrumentos a chegarem ao toque de desconhecidos”. Aplicaram o processo circuit bending, tudo no espírito “do it yourself“, e hoje é o que se vê – e ouve.

“Já acabou?”

Difícil de imaginar? Ana Trincão explica: “Em termos visuais, quando chegas a um concerto ou a uma performance nossa, o que encontras é um conjunto de objetos estranhos, antenas de televisão antigas e rádios dispostos no espaço, com um recente upgrade, porque estamos a tentar fazer interação com a imagem”. Tem, por isso, também um “caráter de instalação” e “muito experimental” – em “termos estéticos e musicais”.

No entanto, em contraponto, a forma de interpretação até é clássica. “Quando tocamos é como se fôssemos um quarteto de cordas. Estamos em semi-círculo, numa disposição clássica”. Um “conflito”, uma “dualidade” que gostam de explorar, acrescenta Simão. “Mesmo no facto de as antenas estarem em cima dos telhados, de serem inacessíveis, e de estarem nas nossas mãos”. O som pode ser “um pouco agressivo” e “impositivo”, mas, curiosamente, o feedback até tem sido outro. “Já nos disseram que [o concerto] tinha durado pouco”. Até porque o público tem “curiosidade” em tocar nos objetos e de eles próprios produzirem música, sublinha Sónia.

É um formato “democrático” e “libertador”, diz Ana, pelo menos no modo “como se interage com o som e como se pode fazer música”. O circuit bending não precisa de pautas, só “sensibilidade e vontade de experimentar”. “Toda a gente pode criar uma orquestra destas”, sublinha Sónia. “O circuito é bastante simples, basta ligar uma antena a um rádio. Quem tiver curiosidade pode ir ao Google e aprende a fazer. Não é uma coisa fechada que mais ninguém pode fazer”. E ainda bem. “Por alguma razão lhe chamamos orquestra, e não trio de cordas”, ressalva Simão, entre risos. “É suposto envolver muitos instrumentos e vários praticantes”.

Entre concertos, dinâmicas PDF (Participa, Descobre e Faz) e workshops (com criação de instrumentos), a SAS Orkestra de Rádios tem andado por aí. Passaram pela Culturgest, por um monte alentejano, pela Galeria Boavista; espera-os Berlim (quem sabe), o Porto (a Sonoscopia) e, em março, Lisboa (no âmbito do programa Ecos da Trienal de Arquitetura).