É debaixo de um ultimato das direções de informação dos três canais generalistas portugueses que esta sexta-feira, 14 de março, é discutido na Assembleia da República os projetos de PS e PSD/CDS sobre os princípios que regem a cobertura jornalística das eleições europeias.

A comissão de Assuntos Constitucionais discutiu na quarta-feira o projeto socialista sobre a matéria, com a maioria a fazer também chegar ao parlamento um projeto de lei que visa ultrapassar os problemas de cobertura mediática verificados nas últimas eleições autárquicas.

Os projetos

O ponto mais destacado do projeto do PSD/CDS reside na alteração do período de campanha, compreendido em 60 dias a partir do momento em que é marcado o ato eleitoral. A maioria propõe que haja uma divisão em dois períodos: o de campanha propriamente dito e um de pré-campanha eleitoral. Em ambos devem vigorar a isenção jornalística e tratamento igualitário entre candidaturas, através da realização de entrevistas e debates.

Por outro lado, o projeto do PS é mais generalista. Prevê o reforço da competência da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) para garantir o cumprimento do tratamento jornalístico das candidaturas, enquanto a Comissão Nacional de Eleições (CNE) fica responsável pelo cumprimento da lei em torno da publicidade e propaganda eleitoral. Contactada pelo JPN, a ERC recusou-se a prestar declarações.

Para Hélder Bastos, professor de jornalismo na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), “os projetos de PS e PSD querem, de certa maneira, obrigar os órgãos de comunicação social a fazer debates, a garantir um pluralismo e igualdade de tratamento, que está prevista na constituição”.

O docente admite que num “mundo ideal”, “todos os partidos que concorrem a eleições deveriam ter um tratamento minimamente igual em todos os órgãos de comunicação social”, mas que existem diferenças entre órgãos públicos e privados e dos meios disponíveis por cada um. “Isso cria dificuldades à aplicação de um projeto lei a todos os órgãos de comunicação, exigindo a todos o mesmo tipo de exigências”, afirma.

Em comunicado conjunto, RTP, SIC e TVI avisaram que, caso sejam aprovadas leis que interfiram na liberdade editorial das estações, os três canais abdicarão de fazer a cobertura das campanhas eleitorais.

Na opinião dos diretores de informação José Manuel Portugal (RTP), Alcides Vieira (SIC) e José Alberto Carvalho (TVI), os projetos visam a aprovação de “uma lei que concede ao Estado o poder de determinar quem deve ser entrevistado, quem deve participar em debates e o que deve ser notícia, uma lei que determina que o Estado se substitua ao jornalista e que defina a linha editorial de cada jornal, de cada rádio e de cada televisão”.

“Quem faz a lei tem de ter a noção do que é televisão”

As propostas de lei surgem na sequência da decisão das televisões públicas em não realizarem debates nas últimas eleições autárquicas e pelas várias queixas de candidatos. “Já na altura isso deu polémica porque, de facto, deixaram muita gente de fora. Trata-se de um problema de pluralismo da cobertura mediática que já foi até alvo de queixas à ERC”, explica Hélder Bastos.

A não cobertura nas autárquicas

Durante as três semanas que antecederam os resultados das eleições autárquicas de 29 de setembro, os três canais generalistas não exibiram imagens das campanhas eleitorais, limitando-se a transmitir comentários ou discursos dos líderes partidários unicamente sobre temas de interesse nacional, como o desemprego, a Troika ou as rescisões na função pública.

Não considerando que a liberdade de imprensa esteja a ser atacada, o docente partilha igualmente da opinião que “há uma interferência ao nível da independência editorial das redações e do jornalismo feito nessas televisões”. A lei e governo estão a criar a ideia errada que condicionam o trabalho dos jornalistas, o que “pode entrar em conflito com aquilo que é suposto haver sempre: que os órgãos de comunicação social sejam livres e independentes do poder político”, explica.

Sobre o desfecho da votação desta sexta-feira em Assembleia da República, Hélder Bastos considera que “tudo indica que será aprovada de alguma maneira uma lei que vai reforçar” a cobertura das eleições europeias no três canais mas não deixar de frisar a importância de haver um mínimo equilíbrio entre ambas as partes. “Quem faz a lei, também tem de ter a noção do que é televisão, como funciona e quais as suas regras”.