Há nove anos, a portuguesa que vivia no Dubai e era hospedeira da companhia aérea Emirates decidiu largar tudo por uma imagem: a extrema pobreza que viu nos bairros de Bangladesh.
Abdicou da sua vida profissional para poder mudar o destino das crianças que nascem e crescem num ciclo de pobreza.

A fundação

A Fundação Maria Cristina, com quem Maria da Conceição colabora, foi crescendo aos poucos, sem guião, para colmatar falhas que parecem passar despercebidas a muitos. O projeto abrange cerca de 600 crianças e diversas áreas.

Desde então, tem tentado desafiar os limites da capacidade humana para chamar a atenção para a sua causa. O “777 Challenge” foi o terceiro de um conjunto de desafios concluídos que inclui a excursão ao Pólo Norte em 2011 e a escalada ao Everest em 2013. Mas, para Maria da Conceição, o maior desafio de todos é mesmo arranjar patrocinadores e sensibilizar as pessoas.

Como é que surgiu a ideia de fazer este “777 Challenge”?

Eu nunca o tinha considerado antes e nunca me considerei uma atleta. A ideia de correr as ultramaratonas foi simplesmente com o intuito de ajudar a fundação. Arranjar fundos é o derradeiro desafio que enfrentamos.

Quanto tempo levou a preparar esta aventura?

Seis meses bastante intensos. As exigências psicológicas e físicas são imensas. A “Up and Running Sports Centre” ajudou-me no processo inteiro para me manter em forma física, mentalmente focada e preparada para o desafio a que me propunha. O treino foi muito específico e foi desenhado para um desenvolvimento gradual, permitindo ao meu corpo recuperar rapidamente depois de cada corrida. A dieta também teve que ser muito equilibrada a fim de manter altos os meus níveis de energia, e a minha comida estava a ser fornecida pela “Right Bite”, grandes parceiros neste desafio.

Quais foram as maiores dificuldades durante as sete semanas?

O jet lag, o facto de ter de dormir poucas horas, a dieta irregular durante a viagem, e ter de correr 350 quilómetros em seis semanas e com terrenos difíceis. Contudo, a maior prova foi arranjar patrocinadores sem ter experiência neste tipo de corridas. Foi um grande desafio. Levou-me um ano a arranjar patrocinadores e só na última hora é que tivemos tudo pronto.

Sentiu que este marco em específico teve maior impacto nas pessoas, dando mais visibilidade ao seu propósito?

Absolutamente. Até aqui o meu trabalho só era conhecido em Portugal, nos Emirados Árabes Unidos e Bangladesh. O “777 Challenge” deu muita visibilidade e chegou, por exemplo, a Omã, África do Sul, Reino Unido, Montenegro, Espanha e Arábia Saudita.

Em 2005 deu uma reviravolta muito grande na sua vida. Como é que, de um dia para o outro, se consegue largar tudo por uma causa?

Foi uma volta de 180º. Quando eu trabalhava para a Emirates Airlines tinha uma vida muito boa, um bom salário, todas as despesas pagas, viajava pelo mundo… Em 2005, quando viajei
para Daca e vi os bairros, foi um verdadeiro estalo na cara.

“Quando viajei para Daca e vi os bairros, foi um verdadeiro estalo na cara”

Vi imediatamente que tinha de ajudar aquelas crianças e que mesmo a mais pequena ajuda poderia fazer uma diferença considerável na vida diária delas. A partir dessa altura comecei a ficar envergonhada com os luxos que tinham feito, desde sempre, parte da minha vida. Ajudar aquelas crianças e famílias tornou-se o meu único e real interesse. Espero que essa decisão tenha orgulhado quem me acompanhou quando eu mais precisava.

Quase dez anos depois, se voltasse atrás, faria tudo igual?

Ao olhar para trás é fácil ver algumas coisas que poderiam ter sido feitas de forma diferente. Mas nunca há uma forma de se saber isto. Os programas que desenvolvemos são únicos e, por isso, não há um guião para seguir. Mas temos de ser conscientes que os erros são mais comuns do que os sucessos e nós aprendemos muito com eles.

“Fiquei desiludida com o resultado de algumas angariações de fundos.”

Não podemos construir uma coisa nova sem cometer alguns erros no percurso mas é por ultrapassarmos essas falhas que nos tornamos mais fortes e mais capazes. Fiquei desiludida com o resultado de algumas angariações de fundos que fizemos através dos desafios mas isso faz-nos querer ser mais e melhores.

Dos três grandes projectos – Pólo Norte, Everest e “777 Challenge” – qual foi o mais difícil?

Os três foram muito diferentes. O Pólo Norte e o Everest são mais perigosos pelas possíveis consequências. Se algo correr mal temos de lidar com a natureza e, por isso, é preciso muita coragem para enfrentar os riscos. Preparamo-nos física e psicologicamente, o melhor que podemos. Alguns dos melhores exploradores do mundo falharam em desafios do género e, por isso, não sobreviveram. O “777 Challenge” é uma experiência mais pessoal. Se eu falhasse seria porque, provavelmente, não me tinha preparado bem.

Portugal tem-na reconhecido e apoiado?

Eu tenho sido bem apoiada pelo povo português e pelas comunidades o que me faz sentir muito orgulhosa. Mas a nível oficial não é bem assim. Títulos como “Primeira portuguesa no topo do Everest” ou os dois recordes do Guiness que estavam em jogo com o “777 Challenge” seriam motivos para mais reconhecimento, o que ajudaria muito a Fundação. É certo que faço tudo isso por caridade, mas sinto-me muito orgulhosa de representar o meu país.

Quais os projetos que tem em mente para o futuro?

Eu vou continuar com este tipo de desafios sempre que precisar de dinheiro para a fundação. Agora precisamos de um milhão de dólares (cerca de 730 mil euros) para cumprir o nosso compromisso com a educação daqueles que estão sob o nosso programa. No entanto, sabemos que vai ficar cada vez mais difícil porque a exigência económica vai aumentando.

“Eu tive a visão e assumi o compromisso de mudar a vida das pessoas.”

Arranjar fundos é extremamente difícil, porque há causas muito boas para as quais as empresas e particulares podem contribuir. Eu tive a visão e assumi o compromisso de mudar a vida das pessoas que vivem na extrema pobreza e vou ver este compromisso cumprido, independentemente do que for preciso. Espero que os meus desafios se tornem mais e mais extremos para poderem continuar capazes de financiar a fundação. Este ano já comecei a tratar de um par de desafios realmente difíceis para 2015. Quanto maior o desafio, maior a impressão que é deixada nas pessoas acerca do que eu estou disposta a fazer para marcar a diferença no mundo.