Certamente que a recente vitória do Benfica na final da Taça de Portugal frente aos Galitos do Barreiro não se tratou de um jogo épico ou de algo inesperado. Mas o facto de terem passado 18 anos desde a última conquista de Taça por parte dos encarnados é tónico suficiente para se voltar atrás no tempo e lembrar uma geração que marcou uma era em Portugal.

Vitórias sobre Partizan de Belgrado, Panathinaikos, Juventut Badalona ou CSKA Moscovo, algumas das mais conceituadas equipas da história do basquetebol europeu, fazem parte do reportório do Benfica dos anos 90. A nível nacional, 10 campeonatos em 11 anos, entre 1984 e 1995. A melhor equipa portuguesa de sempre.

“Fizemos três participações seguidas na Liga Europeia” [hoje Euroliga, equivalente à Liga dos Campeões de futebol], lembra Mário Palma, atual selecionador nacional e treinador do Benfica à época. O mentor do Benfica europeu diz que “não houve grandes segredos” para construir aquela equipa, apesar de reconhecer que trabalhavam “de uma forma diferente do que se fazia na altura em Portugal”: treinos “duas vezes por dia, com uma intensidade muito elevada” a retirarem o máximo de “jogadores com potencial muito grande”.

Com a ajuda de Carlos Barroca, treinador de basquetebol e comentador da NBA na Sport TV, o JPN foi redescobrir quem eram esses jogadores. Nomes como Pedro Miguel, “o pêndulo”, Carlos Seixas, “o conceito perfeito de team player”, Mike Plowden, “o trabalhador das tabelas”, Jean Jacques, “um bocadinho de todos os outros”, José Carlos Guimarães, “o bicho” e, claro, Carlos Lisboa, “o matador”, fazem parte do imaginário de quem acompanhou a cena basquetebolística dos anos 90 em Portugal.

Lisboa, “o melhor de todos os tempos”

A figura principal da equipa era Carlos Lisboa, “o melhor jogador português de todos os tempos” para Mário Palma, seu ex-treinador. “Era um jogador com capacidade de resistência à dor e às dificuldades muito grande”, diz. Jogou até aos 38 anos. Já Carlos Barroca, amigo de infância de Carlos Lisboa, lembra um jovem “altamente competitivo, sempre e absolutamente virado para o resultado”, mesmo em brincadeiras com carrinhos. “Fazia triplos com dois pendurados em cima dele, lançava quando toda a gente achava que não era para lançar, ou quando era ele contra cinco. Tinha momentos absolutamente deslumbrantes”, recorda. Para além disso, “sabia jogar com as emoções, puxava pelo público”. A sua exibição mais famosa terá sido num jogo que deu o apuramento do Benfica para a Liga Europeia de 1995-96, contra o Partizan, em que fez 45 pontos, dos quais 10 triplos.

“Era fácil” lidar com aquele grupo de jogadores, garante Mário Palma. “Eles sabiam muito bem qual era o seu papel. Estavam preparados para enfrentar equipas mais fortes, não tinham medo e depois isso tornou-os ainda mais bem preparados para jogar em Portugal”, revela. Palma explica também como foi difícil convencer os responsáveis do Benfica de que a sua equipa podia dar-se bem na Europa: “A direção do Benfica considerava que a equipa estava um bocadinho velha, e que se fizéssemos a participação na Europa juntamente com as competições nacionais, seria muito complicado porque depois a equipa não conseguiria corresponder”.

Mas a verdade é que correspondeu. “Nós só nos pudemos desenvolver e tornar mais fortes jogando com equipas mais fortes que nós”, diz Mário Palma. “Foi o que nós fizemos, e a ganhar-lhes, ainda por cima. Os resultados foram muito bons”.

A construção da equipa demorou algum tempo e as vitórias europeias não apareceram logo. “O Benfica, antes de conseguir triunfos, também passou por um período em que não os conseguiu”, lembra Barroca. Para além disso, Mário Palma tinha de lidar com escassez de recursos: “Tínhamos poucos jogadores para rodar, e os que tínhamos eram mais fracos do que aqueles cinco ou seis que jogavam mais. Mas os que jogavam eram jogadores com muita capacidade atlética, muito competitivos e com muita qualidade técnica também”, recorda. “Acabou por escrever-se uma página única no basquetebol português”.

Uma realidade distante

Hoje em dia, tempos como os descritos neste texto não passam de memórias que os fãs do basquetebol nacional recordam com saudade. Pavilhões cheios pelo país fora, equipas nacionais a brilhar na Europa, o basquetebol como produto mediático. A juntar a isto, o boom da NBA em Portugal. É possível isto voltar?

“É preciso acreditar que é possível”, afirma Carlos Barroca. “Todas as coisas do desporto começam na convicção de que é possível”, mas para algo do género voltar a acontecer é preciso que “toda a gente, de cima para baixo” esteja alinhada.

O exemplo NBA

O que pode Portugal retirar da NBA? Há alguns aspetos que suscitam paralelismos: “Tinham problemas de público, de visibilidade, de corporação, do que era a NBA como entidade”. Carlos Barroca pensa que o segredo é “criar produto” que seja atrativo. “O David Stern [ex-comissário da NBA], quando começou a trabalhar, andava a fazer ações de exibição nos parques de estacionamento dos hipermercados. Há 30 anos, a NBA também não era como é hoje”.

Mário Palma faz referência à “influência da crise económica”, que fez com que “os clubes tenham muito menos dinheiro”, mas aponta outro “problema sério”: “Durante alguns anos houve muitos jogadores americanos a jogar em Portugal, e os jogadores portugueses deixaram de ter acesso ao campeonato nacional e ficaram bloqueados porque não podiam entrar nas equipas”.

Este processo, tal como a crise, arrastou-se e criou um efeito “bola de neve”. “Agora, primeiro que se consiga rebater isso, primeiro que se estabilize o campeonato nacional, primeiro que estabilizem as equipas, vai ser muito difícil”, desabafa Mário Palma.

“Falta tudo. Não estou a ver luz ao fundo túnel, agora. Vai demorar alguns anos até que isso possa acontecer outra vez”, conclui.