O auditório do Instituto Superior da Maia (ISMAI) compôs-se para receber a tertúlia “Mundial de Futebol”, a primeira integrada no ciclo “Maia – Cidade Europeia do Desporto”.

Num quadro que inicialmente contava ainda com os nomes de Humberto Coelho e Vítor Pereira, Henrique Jones, médico da Seleção Nacional, e João Aroso, preparador físico da equipa das quinas, falaram sobre as dificuldades que o clima tropical do Brasil pode colocar à planificação da campanha portuguesa no Mundial. “Estava em casa a ver o sorteio e, mais do que preocupado com os adversários que nos podiam calhar, estava preocupado com o local onde íamos jogar”, admite João Aroso.

Portugal defronta os Estados Unidos a 22 de junho na Arena Amazónia, naquele que é encarado por Aroso como um jogo “praticamente impossível de preparar”. Para Henrique Jones, o principal problema está na elevada humidade de Manaus, que ronda os 85%: “Passei algumas noites a rever a problemática, mas não me parece ser uma nuance muito polémica. Se houver uma temperatura acima dos 30 graus, é passível haver mais interrupções no jogo para hidratação”.

“A paixão fez-nos perder o Europeu”

Durante a tertúlia, o médico Henrique Jones aproveitou ainda para recordar a importância da fadiga e pressão emocional nas grandes provas, salientando a derrota na final do Euro 2004: “Aquele passeio que tivemos da Academia do Sporting até ao Estádio da Luz foi arrepiante e eu senti naquele momento, e estou a dizer isto pela primeira vez, que naquele autocarro havia um medo coletivo. Os atletas sentiram que tinham o país atrás deles e tiveram medo de fracassar.”

O médico não considera este Mundial como o mais difícil de preparar, uma vez que Portugal “vai jogar em casa”, ao contrário do que sucedeu em edições anteriores, nomeadamente, em 2002 na Coreia do Sul e Japão, “devido às diferenças sociais, climáticas, desportivas, linguísticas, ou seja, a um contexto culturalmente muito diferente”.

A cidade de Nova Jérsia acolhe o estágio da Seleção na América do Norte, de 2 a 10 de junho, antes da partida para Campinas. Cidade essa que foi escolhida a dedo, com a preocupação de “reunir as melhores condições de treino para a preparação, e depois, outras questões que são importantes também considerar, nomeadamente a questão financeira”, refere João Aroso.

“Corda começa a esticar para recuperar de lesões”

Henrique Jones lança críticas ao número excessivo de jogos realizados por ano que contribui para o aumento do número de lesões musculares. “Uma das nossas principais preocupações para com os jogadores potencialmente selecionáveis é a carga traumática acumulada”, refere, alertando para os casos de Nani, Éder e Vieirinha, uma vez que “a corda começa a esticar para recuperar de lesões”.

A importância dos tratamentos também foi focada por Jones, que refere que “o grande segredo das vitórias é a gestão da fadiga”. No entanto, João Aroso fala de “jogadores especiais” como Cristiano Ronaldo e João Moutinho, “capazes de fazer uma época a jogar a um nível altíssimo sem nunca serem substituídos”.

Mas os hábitos de treino são diferentes de país para país e a relação com treinadores estrangeiros é mais difícil. “Quando são jogadores que estão no estrangeiro com treinadores estrangeiros, por vezes, torna-se um bocadinho mais difícil essa comunicação”, diz João Aroso. A relação entre os clubes e a Seleção é, por vezes, complicada, e Henrique Jones salienta a necessidade de existir “honestidade e frontalidade para essas coisas se resolverem”.

Sexo antes dos jogos?

Durante o período de perguntas abertas à plateia, quando questionado sobre o efeito negativo do sexo antes dos jogos, o médico Henrique Jones considera que não acredita que “uma relação sexual na véspera de um jogo possa ter alguma influência no rendimento porque ter uma relação sexual normal é o mesmo que fazer uma pista de 400 metros, em termos de gastos calóricos e de energia. O que tem problema é uma relação sexual mal conseguida porque pode ter repercussões psicológicas”, explica.

O médico dá o exemplo de Rafa, jogador do Sporting de Braga que se estreou pela equipa nacional frente aos Camarões, e se lesionou com alguma gravidade: “O Rafa faz uma lesão nos minutos iniciais, no jogo dos Camarões e joga os 45 minutos completos, sabe Deus com que sacrifício. Não se queixou a ninguém da equipa técnica”. Um reflexo da “humildade muito grande” e de um “espírito de sacrifício enorme”.

Apesar de toda a carga psicológica e física que a preparação de um campeonato do Mundo exige, Henrique Jones diz que existe uma mudança na mentalidade dos jogadores. “É como quando se está num ano letivo na Universidade e depois vamos para um campo de férias, onde há as mesmas disciplinas mas com mais liberdade de expressão. Quando os atletas se juntam para os grandes eventos, há coisas que se fazem por obrigação e outras por paixão”.

Esta foi a primeira tertúlia do ciclo “Maia – Cidade Europeia do Desporto”, e no final ficou a promessa da realização do Congresso Internacional de Futebol para breve, também no ISMAI.