Na cave do Pinguim Café, todas as segundas-feiras, às 23h30, conciliam-se duas artes: a poesia e a música. O primeiro encontro foi em 1988, organizado por Joaquim Castro Caldas, ator e poeta. Ao longo dos anos, seguiram-se-lhe Isaque Ferreira, Daniel Maia-Pinto Rodrigues, Cristina Bacelar, Pedro Lamares, Virginia Silva e Rui Spranger, atual responsável.

A tradição das sessões de poesia do Pinguim passou por várias fases. No início, pelas mãos de Castro Caldas, apenas se recitavam poemas de Fernando Pessoa e dos seus heterónimos, até que Amílcar Mendes teve a ousadia de introduzir outras vozes da poesia. “Foram criadas as segundas-feiras [de poesia] pelo Joaquim Castro Caldas com a ideia de que a segunda-feira não era nada, era a folga de teatro que permitia trazer os atores”, diz Rui Spranger.

No ano de 2000, Castro Caldas retorna a Lisboa, deixando esta cave sem poesia até 2004. O café entrou, nesta altura, numa fase conturbada que só terminou em 2008. Nesta data, ano da morte do fundador destas noites, as sessões retomaram o dia inicial, segunda-feira, como forma de tributo.

Muitos dos frequentadores da cave integram o meio literário: “Valter Hugo Mãe, Vasco Gato, Manuel Jorge Marmelo, Renato Filipe Cardoso, Eduardo Leal, são nomes que vão passando por aqui”, conta Rui Spranger. Mesmo assim, o ambiente é íntimo. “Há aqui duas coisas que se destacam em relação aos outros locais: há gente de todas as idades” e os poetas que lá vão “não têm nenhum tratamento especial, nem nenhuma espécie de preferência. Isso torna este espaço muito democrático e muito simpático”, acrescenta.

Uma noite na cave poética

“Aqui não se sente o conceito de atuação. São noites descontraídas, quem quer lê, quem não quer não lê”. É assim que Rui Spranger apresenta estas sessões. Pelas 23h30, hora marcada para o ínicio da noite, já não há cadeiras vazias. As pessoas folheiam os livros espalhados pelas mesas, os músicos preparam os instrumentos e Rui Spranger começa por ler alguns poemas de “A máquina-de-lavar-corações”, da autoria de Renato Filipe Cardoso, também presente para a apresentação do seu livro.

A Antologia da Cave

A Antologia da Cave é uma coletânea que assinala os 25 anos de poesia do Pinguim Café, em que os próprios poetas selecionaram os textos que iriam ser publicados, não havendo coordenação editorial. Este livro será apresentado a 21 e 22 de março, nas Fnac do Norteshopping e Marshopping, respetivamente.

Alguns poemas e alguns copos depois, os presentes tomam iniciativa e partilham as suas leituras. A palavra faz-se acompanhar pela música com Mário Castro, na guitarra, e Rui David, na voz. Valter Hugo Mãe, Alberto Caeiro, António Pedro Ribeiro, Ariana Aragão e João Habitualmente são apenas alguns dos poetas declamados esta noite.

Por entre os muitos que leem, destaca-se Ismael Calliano, autor de “Pinguim Café“, poema que capta na sua essência o espírito destas noites. Um dos presentes homenageia Jorge Sousa Braga, recitando “Portugal” de cor. Há quem recorra aos livros, outros à memória e ainda quem recorra à tecnologia, como os telemóveis e tablets. Ouvem-se poemas em português, francês, inglês, polaco e até grego, a língua estreia da noite.

Um dos momentos mais aplaudidos é quando uma das presentes, começa por ler “Ne me quitte pas“, de Edith Piaf, mas o som da guitarra de Mário Castro incentiva-a a cantar este tema. Neste momento, nada mais se ouve para além da voz de Irene até que surge o refrão e todos os presentes a acompanham. Irene, que já não frequentava o “Pinguim Café” há oito anos, confessa que vem “sempre pronta para participar”. Vem, porque estas noites lhe trazem “poesia partilhada, poesia ouvida…”. “Isso, para mim, é uma experiência única. Gosto muito de poesia, gosto muito de ouvir poesia e estar aqui num ambiente informal é perfeito”, conta.

Já quase no final da noite há ainda outro momento marcante, quando um turista polaco tem o à vontade para pedir a guitarra a Mário Castro e canta em polaco. Às 01h30, normalmente, encerra a noite, mas neste dia a sessão prolonga-se até às 02h. Por esta altura, canta-se o “Cançoninho“, a única música composta por Joaquim Castro Caldas. Esta é uma homenagem que se faz desde 2008, ano da sua morte, e há muitos que “já a sabem de cor”, diz Rui Spranger.

“Festejamos a poesia todas as segundas-feiras”, realça o mediador das sessões. É por isso que, esta sexta-feira, Dia Mundial da Poesia, não haverá qualquer iniciativa especial no Pinguim Café.