As manifestações na Venezuela arrastam-se há mais de um mês. No entanto, a insegurança não tem sido novidade nos últimos tempos, obrigando os muitos portugueses residentes no país a voltarem à sua terra-natal. É o caso de Alexandra Amorim. Os pais decidiram voltar para Portugal há três anos. Não só pela instabilidade, mas sobretudo pela falta de acesso a “alimentos, medicamentos e tratamentos de saúde”. “O que se consegue é pouco e muito caro”, diz.

A jovem estudante de Ciências Farmacêuticas da Universidade do Porto (UP ) explica que as manifestações começaram com os estudantes universitários devido às condições precárias do ensino venezuelano. “Nas universidades públicas não há mesmo nada, nem água. Quase nunca têm aulas, os professores começam a faltar, tudo o que for público naquele país não funciona. Por isso, os estudantes estão-se a sentir muito afetados e decidiram sair às ruas” explica.

Preocupada com o que acontece no seu país de origem, Alexandra considera que só quem presencia os acontecimentos é que sabe o que de facto se passa, uma vez que o Governo esconde informação. “Enquanto na rua estão a matar as pessoas, o que a televisão transmite é desenhos animados e coisas que não têm nada a ver com o que se está a passar”, revela.

“O povo venezuelano está a sofrer muito”

Embora apoie a iniciativa estudantil, Alexandra é da opinião que estas manifestações não vão obter os resultados desejados devido à forte repressão. “O povo venezuelano em geral é um bom povo e está a sofrer muito. E a mim custa-me. Gostava de lá estar agora para poder ajudar”, lamenta a estudante de Ciências Farmacêuticas.

Jennifer Dias chegou a Portugal em junho de 2013. Conta que saiu da Venezuela não só pelas situações de risco e de precariedade a que o país assiste, mas também para concluir um MBA na Porto Business School. Jennifer considera a situação muito complicada, principalmente devido “à falta de comunicação a nível internacional – e até a nível nacional -, que não está a fazer parecer o que realmente é”.

A estudante de 22 anos diz que assistir apenas a tudo o que se passa “é horrível”. “Estou sempre à espera de uma chamada para saber se está tudo bem”, conta ao JPN.

Nas universidades, a insegurança agrava-se. Assumir-se simpatizante de um determinado partido político “é muito desfavorável” e pode até pôr em causa o curso. Jennifer diz que os estudantes são uma ameaça ao governo porque “sentem que não têm medo de nada” e espera que as mortes confirmadas nos últimos dias não tenham sido em vão.

Jornalistas também têm sido alvo de agressões

Mas mais do que um problema político, assiste-se a uma sociedade venezuelana cada vez mais dividida. “Desde que as manifestações começaram, a Polícia e a Guarda Nacional têm reprimido os estudantes que estão na rua, apesar destes se estarem a manifestar pacificamente”, explica uma jovem venezuelana residente em Portugal.

Não querendo ser identificada com medo de represálias, a jovem também aponta a falta de informação “factual”. “Mais de 70 jornalistas têm sido agredidos, são-lhes retirados os seus equipamentos por forças do Governo de forma a perderem todo o trabalho recolhido nas ruas. As pessoas não sabem o que acontece na rua, não sabem o estado da realidade e é realmente preocupante porque a situação não é tratada como deve ser”, afirma.

Na opinião da jovem, para que a situação se solucione é preciso que a comunidade internacional intervenha e mostre a sua posição. “Há provas, há vídeos de todas as repressões vividas e no entanto os países ficam calados, não se manifestam contra o governo de Nicolás Maduro”, até porque Maduro foi eleito com 52% dos votos, o que significa que “tem metade do país contra ele”, explica a jovem.

E se a situação é difícil deste lado, do outro quase que se atinge o ponto de saturação. “A minha geração não conhece outra realidade que não a de filas. Filas no trânsito, filas no supermercado, filas até na farmácia. Estamos horas à espera de conseguir aquilo que precisamos para sobreviver”, explica Leidy do Nascimento. “Os meus pais têm um restaurante e na semana passada tive de ir com mais cinco elementos da minha família comprar leite, porque só se podia comprar quatro pacotes por pessoa”.

“O direito à vida é fundamental e não está garantido no país”

A jovem estudante de Contabilidade Pública da Universidade Católica Andrés Bello (UCAB) conta que a população já não tem medo. Ainda que alguns estudantes não assistam às aulas nas universidades, esse é o sacrifício para um futuro melhor. “Não queremos derrubar o regime, sabemos que o país está muito dividido. Mas pelo menos fazemos pressão e pode ser que com esta pressão contínua consigamos uma abertura por parte dos membros do Governo”.

Jhonathan Moreira acredita viver sob uma ditadura. O Estado controla todos os setores de atividade do país, até mesmo aquilo que pode ou não comprar. “O venezuelano hoje em dia tem dinheiro para comer ou para se vestir, não para ambas ao mesmo tempo”. O finalista do curso de Administração e Contabilidade da UCAB explica que em 2013 a Venezuela registou 25 mil assassinatos, um número três vezes superior ao do Irão: “O direito à vida é fundamental e não está garantido no país. Sabes a que horas sais de casa, mas não quando e como regressas”, afirma.

“O meu país é tão bonito, quero lutar por ele e pela sua democracia”

Para perceber melhor o que está a acontecer na Venezuela, o JPN falou com Rita Siza. A jornalista do Público explica que se trata de um confronto nas ruas entre os opositores do regime e os que “não são necessariamente opositores políticos”, com “as forças institucionais da Polícia Nacional, da Guarda Civil e paramilitares que fazem ações de contragolpe relativamente às manifestações”.

Rita Siza é da opinião que os jovens não constituem uma ameaça ao governo até porque “muitos dos estudantes não contestam necessariamente o regime, não estão na rua a lutar pela queda do governo”, mas pela situação económica e pelas dificuldades em encontrar trabalho. O que levou a que tudo culminasse dia 12 de fevereiro foi, de acordo com a jornalista , uma tentativa de violação a uma jovem por parte de um polícia dentro do recinto universitário em Táchira. No entanto, é prematuro prever o que poderá acontecer com estas manifestações.

Apesar do futuro incerto, Jhonathan e Leidy tomam como assegurada a continuidade na Venezuela. “O meu país é tão bonito e tem tanto potencial, quero lutar por ele e pela sua democracia. Custe o que custar, não tenho medo”, afirma a jovem.