Para além dos programas do Governo de Angola, a ação das Organizações Não Governamentais (ONG) fornecem um contributo essencial para o processo de desminagem no país. Em 1997, após intensa campanha de várias organizações, 122 países assinaram o Tratado de Ottawa, a convenção sobre a proibição do uso, armazenamento, produção e transferência de minas e sobre a sua destruição.

Entre as organizações que se dedicam a libertar o povo angolano deste problema nacional, a HALO Trust é a responsável pelo monitorizar de cinco das maiores províncias de Angola. José Pedro Agostinho, ou Zeca, como prefere ser tratado, é um dos responsáveis pelo programa da HALO Trust Angola. “As minas são, para as pessoas afetadas, o principal obstáculo para que elas voltem a uma vida normal e recomecem as suas atividades socio-económicas”, explica, salientando alguns dos obstáculos de vária ordem que a presença das minas impõe: “Nomeadamente, ao acesso – impedindo livre circulação de pessoas e bens -, à agricultura, recolha de água ou lenha e criação de gado; impede ainda o acesso a serviços básicos, tais como acesso a saúde, educação, aos centros de comércio ou a administração do Estado. Agravante, as minas causam mortes e ferimentos, mesmo vários anos depois do fim do conflito”.

Apesar das discrepâncias entre números relativos ao espaço ocupado pelos campos contaminados, 49% das zonas suspeitas de minas foram eliminadas desde 2007, sendo dois terços delas monitorizadas pela HALO. Em 2012, cinco ONGs desminaram perto de 4,5 milhões de quilómetros quadrados e encontraram mais de quatro mil minas ainda ativas. Das 72 áreas limpas, a HALO foi responsável pela desminagem de 52 e desativação de cerca de 3.400 engenhos.

Vitórias diárias que começaram há mais de dez anos. “Em 2003, depois do fim da guerra, os doadores da Comissão e da União Europeia financiaram a desminagem de emergência realizada pela HALO em cidades como Mavinga, na província do Kuando Kubango. Dezenas de milhares de pessoas vulneráveis tinham sido reunidas nestas áreas de aquartelamento, mas estavam em grande perigo devido a presença das minas”, conta José Pedro Agostinho.

O contributo da HALO em números:

Até fevereiro de 2014, a HALO destruiu 69 mil minas antipessoais, mais de 15 mil minas antitanque – que fazem de Angola o país com mais minas deste género no mundo -, quase 160 mil engenhos explosivos diversos e perto de 335 mil munições. A ONG limpou ainda perto de 20 milhões de metros quadrados de terra e reduziu quase 5.600 quilómetros de estradas. “Cada artigo destruído poderia, potencialmente, causar um acidente. Portanto, podemos dizer que a destruição de cada um deles é uma vitória nesta tarefa de salvar vidas”, considera José Pedro Agostinho.

Foi exatamente na província do Kuando Kubango, considerada como a região com maior contaminação de minas, maior densidade e complexidade na minagem do país, que a HALO Trust Angola teve, para Zeca, uma mas suas maiores conquistas. A região abrigava uma das maiores bases permanentes da UNITA, a Jamba, quando em 1987 uma ofensiva do Governo deu origem à Batalha de Cuíto Cuanavale, “uma das maiores batalhas convencionais de alguma guerra civil em África”, como descreve o professor Maciel Santos, do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP).

Apesar das conquistas da organização, novos desafios avizinham-se. Em fase de desenvolvimento económico, as cidades angolanas preparam-se para crescer além periferias, onde campos contaminados, destinados à agricultura, predominam. “As pessoas vão abandonando os meios rurais para se concentrarem nas cidades ou em volta das cidades”, explica o estudante Salvador Lourenço. Uma expansão que Luanda já viveu e que outras cidades preparam-se para experienciar. “É lógico que as cidades vão crescer nos próximos anos, mas o Governo quer pôr fim a esse crescimento desordenado. Além da iniciativa pessoal, há programas do próprio Governo de distribuição de lotes de terras e reservas fundiárias, sítios completamente desminados”, explica.

Quanto menor forem os apoios, maior será o tempo necessário para a desminagem

Para Zeca, que combate o problema das minas terrestres no terreno, o sentimento de medo das populações “tem estado a diminuir, resultado dos progressos que têm sido feitos com a desminagem, à medida que mais campos são concluídos”, um pouco por todo o país. Visto não terem sido produzidos mapas dos campos durante a colocação das minas, “as próprias populações têm sido, ao longo dos anos, uma fonte confiável de informação para as equipas de reconhecimento que a HALO Trust emprega”, afirma o responsável do programa.

Ainda assim, José Pedro Agostinho recusa entrar em ilusões: “Até que estes campos sejam completamente limpos, a ameaça permanecerá, independentemente do medo que as pessoas têm sobre as minas”. Por isso mesmo, o responsável alerta para a redução, nos últimos anos, nos apoios que, anteriormente, eram direcionados ao problema das minas em Angola. “Isto, em si, denota que a sensibilização tem diminuído: vários doadores retiraram, por completo, o seu apoio à desminagem do país. Quanto menor forem os apoios, maior será o tempo necessário para a desminagem. Precisamos estimular a vontade dos doadores internacionais em apoiar a desminagem em Angola”, ressalva.

“Até que estes campos sejam completamente limpos, a ameaça permanecerá, independentemente do medo que as pessoas têm sobre as minas”

Isto aconteceu em 1997, aquando da visita da princesa Diana a Angola. “Na altura, ela destacou a questão das minas terrestres e o sofrimento que causam aos civis inocentes”, recorda Zeca, referindo que “o apelo global certamente fez com que as pessoas prestassem mais atenção. Isso foi há 16 anos e, infelizmente, apesar dos nossos esforços consideráveis, o problema das minas terrestres ainda persiste”, destacando outros nomes que se associaram à HALO nesta missão, como o filho de Diana, o príncipe Harry, ou a atriz Angelina Jolie.

Enquanto o custo de produção de uma mina varia de dois a sete euros a unidade, desarmar e remover um único engenho pode custar até mil vezes mais. “Os custos da desminagem podem ser considerados altos se comparados com certos projetos humanitários. Isto deve-se ao facto de a desminagem empregar uma vasta quantidade de recursos humanos. Quanto maior for a capacidade operacional no terreno maior serão os resultados”, explica Zeca.