Salvador Lourenço é um dos cerca de 275 estudantes angolanos a estudar em Portugal. Ao abrigo da bolsa Erasmus Mundus, chegou em setembro de 2013 para o mestrado de Relações Internacionais na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). Tinha 8 anos quando, pela primeira vez, sentiu o conflito armado da Guerra Civil de Angola. Em 1992, estava em N’Dalatando, cidade onde nasceu, na província de Kwanza-Norte, noroeste do país. “Vivi a guerra desde os meus poucos anos. Quando o conflito armado reacendeu, tinha oito anos. Foi terrível. Teriam sido os resultados eleitorais aceites e o país hoje seria mais desenvolvido”, explica.

A Guerra Civil angolana eclodiu em 1975, pouco depois da conquista da independência por parte do país e da desocupação portuguesa da antiga colónia. “O processo de descolonização, em si, não foi o fator do conflito. O processo de descolonização, de alguma forma, acelerou o que já era uma divisão das forças políticas angolanas que combatiam a administração colonial portuguesa”, considera Maciel Santos, professor do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP). “Sobretudo depois do Acordo de Alvor tornou-se iminente que Angola se tornava independente dentro de meses e a conflitualidade que existia entre eles tornou-se exacerbada”.

“Quando o conflito armado reacendeu, tinha oito anos. Foi terrível”.

Em 1992, quando Salvador era criança na antiga Vila Salazar, nome colonial de N’Dalatando, o conflito estava já generalizado a todas as regiões do país. Tinha início, como explica Maciel Santos, a segunda Guerra Civil, na qual “a UNITA controlou praticamente a totalidade até das áreas municipais e, depois, numa última fase da guerra, foi perdendo lentamente o controlo das zonas rurais”.

O conflito chega ao fim em 2002, mais de 25 anos depois do início de uma das mais longas guerras civis em África. Para além da duração do mesmo, a violência trouxe as respetivas consequências para a população angolana: a Organização das Nações Unidas (ONU) estimou, em 2003, que 80% dos angolanos não teriam acesso a assistência médica básica, 60% à água potável e 30% das crianças angolanas morreriam antes dos cinco anos de idade.

Cinco a 15 milhões de engenhos ainda por detonar

Hoje, mais de 12 anos após o fim do conflito, a guerra continua a fazer vítimas. “As minas são uma das armas mais baratas dos conflitos ditos regionais”, explica Maciel Santos, atribuindo o seu uso, preferencialmente, a “movimentos político-militares com poucos recursos e que utilizam a guerra de guerrilha”. Grande parte do conflito em Angola teve de ser feito por estradas não transitáveis o ano inteiro, devido à sazonalidade da chuva.

“As minas eram utilizadas sobretudo para barrar o controlo, especialmente durante a época seca. Havendo o conhecimento mais ou menos seguro da época e da altura dos itinerários, sendo as minas baratas, tendo a guerra se prolongado, praticamente, durante duas dezenas de anos, basta multiplicar todos esses fatores e ver a quantidade de minas terrestres que foram colocadas”, equaciona Maciel Santos.

Há, aproximadamente, 110 milhões de minas terrestres espalhadas por 78 países no mundo, que vitimam entre 15 a 20 mil pessoas por ano. Angola, juntamente com Afeganistão, Camboja, Zimbabwe e Colômbia, faz parte do grupo de países mais minados do planeta. Segundo estimativas de 2011, existem entre 5 a 15 milhões de artefactos não detonados. Os campos minados durante os conflitos cobrem cerca de 8% da superfície angolana, numa área ocupada por perto de 2,4 milhões de pessoas.

A Comissão Nacional Intersectorial de Desminagem e Assistência em Angola (CNIDAH), grande responsável pelo processo de desminagem no país, informou, a maio de 2013, da existência de mais de duas mil áreas suspeitas e com a presença de minas confirmada, cobrindo mais de 1,2 milhões de quilómetros quadrados. Dez das 18 províncias que constituem Angola possuem, pelo menos, 80 áreas suspeitas de minas, o que indica a extensão da contaminação, nomeadamente nas províncias do Moxico (398 zonas), Cuando Cubango (295), Bié (224), Kwanza-Sul (157) e Kumene (147), tudo regiões do interior angolano.

A ONU estima que a remoção total das minas terrestres levará ainda meio século, podendo aumentar o número de cerca de 60 mil angolanos que atualmente possuem um membro amputado devido aos engenhos explosivos (13% deste número são crianças).