Em 2004, a FIFA, órgão máximo do futebol mundial, anunciava a África do Sul como organizadora do Mundial de futebol de 2010. Pela primeira vez, uma grande competição era realizada em solo africano. A euforia invadiu as populações e durante anos cresceu a ansiedade e expectativa no continente. A mais de 8.187,55 quilómetros de distância, Tiago Carrasco, João Henriques e João Fontes davam os primeiros passos no jornalismo em Lisboa.

Os seus caminhos haviam de cruzar-se na RTP África onde colaboravam no programa “Latitudes”. Cruzavam-se também as suas frustrações. “Estávamos bastante insatisfeitos com o trabalho enquanto jornalistas que tínhamos aqui. Não preenchia aquele imaginário do trabalho jornalístico para o qual eu estudei”, explica Tiago Carrasco.

Da incerteza à aventura

Cansados da precariedade e incerteza dos seus empregos, o descontentamento transformou-se em vontade e a ideia surgiu: “Ir para o Mundial, não de avião, porque aí sobrevoaríamos África sem sentir o continente, mas sim de carro, com o objetivo de fazer uma reportagem por país, em que o futebol se ligasse a um tema da sociedade ou da política”.

A primeira intenção foi escrever artigos para imprensa, tirar fotografias para exposições e filmar toda a aventura. Para tal, serviria a experiência de cada um. Tiago Carrasco como jornalista, o fotógrafo João Henriques e o repórter de imagem João Fontes.

Mas a vontade dos três jovens esbarrou nas portas das redações e dos patrocinadores. “Éramos bastante inexperientes e tudo aquilo que nós dizíamos parecia uma grande loucura a quem apresentávamos. Perdi a conta ao número de portas a que batemos antes de partirmos para África”, recorda Tiago, a quem apenas se abriram duas portas: o jornal Record, que comprou reportagens semanais; e a Galp, que cedeu o valor para o aluguer do jipe.

O crowdfunding

As despesas com viagens, alojamento e vistos continuavam sem financiamento. Seguiu-se um misto de sacrifício e dedicação. Algum do dinheiro saiu do bolso dos três impulsionadores do projeto mas, agora que falta apenas a conclusão do documentário, surgiu o financiamento por crowdfunding.

“Quem financia são pessoas que querem ver o projeto concluído, ou seja, ou são pessoas que acreditam que pode sair dali uma coisa boa ou são pessoas que já leram o livro ou que têm acompanhado o projeto desde 2010 e que já sabem o valor que pode vir a ter o documentário”, explica. Para Tiago, o financiamento por crowdfunding, além de garantir uma maior independência editorial, é também mais gratificante: “Vindo do público tem um gosto especial, porque se está a tentar ir ao encontro das expectativas e do interesse da audiência final do nosso trabalho”.

A menos de 48 horas do final do prazo para alcançar os 3900 euros necessários, faltam ainda 400. O objetivo passa por estrear o documentário por altura do Mundial deste ano, até porque o futebol é o ponto de partida de todas as histórias.

Uma viagem carregada de percalços

O primeiro contacto com o continente africano não foi fácil. Uma realidade e uma cultura absolutamente diferentes e um francês enferrujado que dificultou no contacto com as pessoas e com as histórias. Para Tiago, no entanto, se “o primeiro mês foi de choque”, “os outros quatro meses foram de um prazer enorme”. “África é de facto um continente fascinante”, afirma.

Mas existiram contratempos. Desde uma tempestade tropical nos Camarões, passando por suspeitas de malária até a uma tentativa de roubo no Zimbabué: “Perdemos o controlo à nossa conta e despoletou-se uma discussão dentro do carro ,porque estávamos a trocar culpas. Nessa altura um miúdo estava-nos a pedir dinheiro. Nós ignorámo-lo e ele rasgou o pneu do jipe com uma faca sem nós nos apercebermos”, recorda.

Graças à ajuda de uma instrutora de condução conseguiram pagar a estadia. Já a encomenda de uma reportagem ajudou a levar o jipe e os três jovens ao destino final, onde realizaram vídeos institucionais para algumas empresas até arranjarem dinheiro para voltar para Portugal.

Certo é que depois de uma aventura que durou 150 dias, longe de tudo a que se estava habituado, nada volta a ser o mesmo: “Já não voltas. Depois do regresso, a nossa vida nunca mais foi a mesma, nunca mais nos conseguimos aguentar muito tempo sem ter um projeto semelhante”, diz Tiago. Depois da viagem pelo continente africano com o Mundial como pano de fundo, seguiu-se um retrato da Primavera Árabe, em 2011.

O desassossego provocado pelo afastamento da desejada vida de jornalista, acalentou a vontade. Num misto de aventura e de loucura, o sonho foi “Até lá abaixo”: “O jornalista quer estar sempre à procura de histórias e nunca consegue estar sossegado. Muitas das vezes ninguém te aguenta mas é aquilo que te faz viver e que te faz acordar motivado todos os dias”.