Entre 2012 e 2013 emigraram cerca de 120 mil portugueses. Para trás, deixaram a estabilidade, o lar e a família, e partiram com o mesmo objetivo: encontrar melhores condições de vida. Mas a tendência inverteu-se. São cada vez mais os pais que emigram para conseguir dar aos filhos a educação que não tiveram. Pelas universidades portuguesas, multiplicam-se os casos de jovens que não saíram do país, mas abandonaram a geração “cama, mesa e roupa lavada” à custa da emigração.

É o caso de Bruno Amorim, que vive em Portugal, mas sabe muito bem o que implica a palavra “emigrar”. Estudante de Sociologia da Universidade do Porto (UP), tem os pais na Suíça há cinco anos. Foi para lá com eles, quando a família emigrou, mas o sistema de ensino obrigou-o a tomar uma opção: vir para Portugal: “Como estava a ver que podia estar a atrasar muitos anos na minha vida, foi uma decisão que eu tomei. Custou aos meus pais aceitarem, mas acabaram por o fazer e vim para cá já no décimo ano”.

Já Bruno Cunha não chegou a experimentar outro país. Ficou cá a ver os país abraçarem novos desafios a mais de mil quilómetros de distância. “Eu estava a iniciar a licenciatura e não podia abandonar a meio e ir”. Por isso, ficou e tornou-se no maior apoio da irmã de 15 anos que os pais deixaram ao seu encargo. No entanto, reconhece a opção dos pais como um forma de lhes dar “outra estabilidade financeira”.

Bárbara Pinho só tem a mãe no estrangeiro, mas vive com a mesma autonomia e lida com os mesmos problemas de Bruno. Aos 20 anos, a jovem confessa que cresceu “um bocadinho à pressa” e ficou sozinha com a mesma velocidade. Como o pai é camionista e passa muito tempo a viajar, quando a mãe emigrou para Marrocos, Bárbara e o irmão não ficaram a viver por conta própria, mas apenas por conta do dinheiro dos pais.

Apesar da distância que separou a família, a jovem encarou a situação de frente e admite que não ficou preocupada com as novas responsabilidades: “Eu e o meu irmão já estávamos de certa forma habituados a desenrascarmo-nos sozinhos. Portanto, não sentimos muito essa diferença. Era bom para ela, profissional e monetariamente, e seria bom para todos. Nunca pusemos a hipótese de ela não ir”.

“Longe, mas perto”

O telefonema “já faz parte da rotina” de Bruno Cunha. Separados por milhares de quilómetros, reúnem-se através do telefone ou da Internet, “nem que seja só para dizer como correu o dia e perguntar se está tudo bem”. As chamadas passaram de contacto a companhia e marcam também a vida de Bárbara Pinho. A jovem afirma que sente falta da “descomplicação”, porque por “qualquer coisa é preciso ligar”. A distância que os separa é grande e forçou também conversas mais curtas: “Temos tendência a contar mais só aquilo que é importante, enquanto que se estivéssemos numa convivência diária contávamos os mínimos detalhes que tinham acontecido no dia-a-dia” diz Bruno Amorim. É precisamente dessa convivência diária que os jovens admitem sentir mais falta. Apesar dos telefonemas permitirem estar “longe da vista, mas mais perto do coração”, ainda não conseguem substituir os dias passados em família: “É o facto de chegar a casa e não ter o meu pai ou a minha mãe para dizer boa noite, quando acordo não os ter para dizer bom dia, não jantar ou almoçar à mesa com eles, não tomar café com eles, não ter uma brincadeira, o ombro amigo deles”.

Cátia Moreira estuda Psicologia, mas nem o que aprende é suficiente para saber lidar com a saudade do pai que emigrou. “É sempre triste”, lamenta, enquanto acrescenta o porquê. “Eu tenho uma relação muito forte com o meu pai e é sempre triste vê-lo a ir”, explica. Talvez por isso, é provável que a mãe de Cátia “até ao final do ano vá para a beira dele”. Cátia fica cá a acabar o curso, mas apoia a ida da mãe. “São um casal e não faz sentido estarem separados, não é?”, pergunta.

Vânia Ferreira não tem resposta, mas vive na mesma situação. A mãe ficou cá com ela até acabar a licenciatura, mas o pai já está emigrado. “Para colmatar a ausência do meu pai, vou ter que largar outras coisas”, refere quando questionada sobre o futuro. Ainda não sabe como vai fazer. Não domina a língua francesa, mas quer “tentar resolver da melhor maneira”, porque estar longe do pai “é uma coisa que é muito difícil”. Ainda por cima, quando os quilómetros que os separam trazem à cabeça o peso da responsabilidade. “Tenho sempre um bocado de peso na consciência, porque o meu pai está fora e então acho que tenho de me conter um bocado mais nas despesas, porque ele está longe de nós, a fazer sacrifícios por nós”, reflete.

“Mais desvantagens do que vantagens”

Ficar sem os pais por perto trouxe a estes jovens outras responsabilidades. “Essa é a palavra-chave: responsabilidade”, insiste Bruno Cunha. “Nós, jovens, com 18, 19, 20 anos, estando ao abrigo dos nossos pais, não temos aquela responsabilidade como quando estamos a morar sozinhos”. Foram obrigados a crescer à pressa e a ajudar a crescer.

Bruno Cunha ficou a tomar conta da irmã e, por isso, incutir nela o compromisso com a escola é uma prioridade. “Como é óbvio, ter um pai ou uma mãe a dizer para um filho estudar e se aplicar tem mais efeito do que ser eu, irmão mais velho. A minha irmã tem que ter capacidade para perceber que, por os pais estarem fora, o aproveitamento dela não pode fracassar. Independentemente disso, ela tem de continuar a estudar e a levar a vida que levava quando os meus pais cá estavam”, afirma Bruno.

A rotina deles mudou. “Em vez de ir ter com os amigos quando saio da faculdade ou fazer algo que gosto, sei que tenho de ir para casa porque está lá a minha irmã. Tenho de estar de olho nela. Se for preciso explicar algo com os trabalhos de casa, por exemplo. Tenho de estar atento a essas situações”, explica o jovem.

E no futuro?

Todos estes jovens vivem na incerteza sobre o dia de amanhã. Não querem sair do país, dos amigos e da rotina a que estão habituados, mas também não querem continuar a viver longe dos pais. Bruno Amorim admite que “custa largar os amigos, mas também custa largar a família”.

“Não coloco a opção de sair do país fora de plano. De todo”, diz o jovem. Além disso, os pais contam-lhe muitas vezes que, na Suiça, os salários satisfazem perfeitamente, conseguem pagar a universidade e proporcionar um nível de vida que em Portugal, atualmente, não é possível. “Eu acho que isso, acima de tudo, é o mais importante”, admite Bruno.

Vânia acaba o curso este ano, mas ainda está a pensar no que fazer. “Não tenho muito conhecimento ao nível do francês. Agora vou tirar a licenciatura, vou tirar um curso de francês e depois vou. Mas ainda estou a decidir. Ainda para mais não conheço a língua, porque se conhecesse, se calhar, estava mais à vontade, não é?”, questiona-se. “Uma coisa é mudar de cidade cá em Portugal, conhecendo a língua, outra coisa é mudar de país”, explica.

Cátia também não coloca de fora a hipótese de ir para junto do pai. Fica cá a estudar aé acabar o curso e depois, “lá se vê”. “Tudo depende das propostas que aparecerem até lá”, conta a jovem. “Como é óbvio, gostava de trabalhar cá, no nosso país”, refere Bruno Cunha. “Foi cá que eu nasci, é cá que eu vivo, é o nosso país. Gostava de trabalhar cá, mas se não houver oportunidade terei que seguir o caminho que os meus pais seguiram”, lamenta.

Quando regressou da Suíça, Bruno Amorim ainda esteve a viver com familiares, mas depois de entrar para a Universidade começou a partilhar casa com um amigo. A independência trouxe novas responsabilidades e “mais desvantagens do que vantagens”: “Nem tudo era um mar de rosas. Os meus colegas tinham a roupa em cima da cama prontinha, tinham o jantar feito e eu tinha que tratar disso tudo”.

A nova vida exigiu uma adaptação de Bruno aos problemas do dia-a-dia que só ele podia resolver. “Se houvesse um problema era eu que tinha que tratar e não os meus pais”, diz. Além disso, na ausência dos pais, com quem partilhava o sofá no serão, as lides de casa têm de ser feitas por ele. E se o domingo é dia de estar em família, para Bruno é só o dia da semana de que menos gosta. Porquê? “Porque é aquele dia em que as pessoas estão com a família e eu o que é que estou a fazer?”, questiona.

“De repente tivemos que ser nós a fazer as contas que os pais fazem. Eletricidade, água, vinha tudo para nós e isso faz-nos crescer”, diz Bárbara Pinho. “Eu antes dava tudo por garantido. A partir do momento em que fui eu a ter que pagar as contas, que tenho que contar o dinheiro para comprar sapatos, roupa, para fazer o que quer que seja, simplesmente jantar com os amigos, senti logo a diferença”. Na altura em que a mãe foi para Marrocos, o seu aproveitamento escolar diminuiu, mas Bárbara é assertiva e encara “como preparação para a vida futura”. “Mais tarde ou mais cedo, eu vou ter que sair de casa dos pais. É como se já o tivesse feito”, confessa.

No reencontro, todos os segundos contam

Os telefonemas para os pais são rápidos, mas isso não acontece porque os reencontros são frequentes. A família de Bruno Amorim, por exemplo, só costuma estar reunida de três em três meses e, apesar de receber a mãe com frequência, esta ainda lamenta o facto de não acompanhar mais de perto a formação do filho: “A minha mãe, por exemplo, veio cá em fevereiro e foi a primeira vez que ela viu o meu traje académico, ficou toda orgulhosa e senti um bocado de nostalgia no olhar dela por não me ter acompanhado nessas etapas todas”.

A história de Bruno contraria dois mitos: a distância não afetou, neste caso, a relação com os pais e os ciúmes não são apenas coisa de filho mais velho. Apesar de passarem pouco tempo juntos, “faz-se sempre planos” para que Bruno nunca fique de fora dos programas da família e ainda consegue provocar ciúmes no irmão mais novo.

Bruno diz que “podia cá passar as férias” com os amigos e “alugar uma casa como muita gente faz”, mas prefere não o fazer e explica porquê: “Costumo sempre ir com eles, porque sei que, com os meus amigos, tenho o ano todo, enquanto que, com eles, só é mesmo aquele tempinho”.

Esta é também a opção de Vânia. A jovem procura sempre aproveitar da melhor forma o tempo com o pai, quando ele regressa a casa: “Se ele vier cá um fim-de-semana, eu penso sempre: ‘Só tenho três dias’. Estou sempre o máximo de tempo possível com ele. Nunca estou com os meus amigos, por exemplo, quando ele está cá”, explica.

Mas nem todos os jovens conseguem manter uma relação próxima com os pais quando estão a milhares de quilómetros de distância. Para Bárbara Pinho, os momentos em família “já lá vão há tanto tempo” e, por isso, estranham quando eles acontecem: “Estamos tão habituados a estar sozinhos que até ressentimos. Queremos fazer isto e aquilo e já não o fazemos só a contar connosco. Temos mais uma pessoa”.

Enquanto alguns já ressentem a presença dos pais, outros ainda sentem a falta deles. Bruno Cunha não partilha da mesma opinião de Bárbara e, apesar de passar a maior parte do tempo afastado dos pais, tenta “aproveitar todo o tempo com eles”, porque, no reencontro, todos os segundos contam.

Bruno Cunha, Vânia, Cátia, Bruno Amorim e Bárbara: cinco jovens que vivem longe dos pais para terem oportunidades que eles não tiveram.