Segundo o Novo Testamento, Tiago era um dos apóstolos mais próximos de Jesus e muitos acreditam que ele terá escolhido a Península Ibérica para pregar a doutrina de Cristo. Foi esta ligação ao território ibérico que levou os Anglicanos portuenses a batizar a sua igreja de Saint James (São Tiago, em português), em 1842, 25 anos depois de ter sido construída. Situada na Rua da Boa Nova, uma zona marcadamente residencial, a igreja passa quase despercebida. Os muros separam os carros e os passos acelerados do exterior do silêncio e tranquilidade do interior.

Todos os domingos, Michael Bullock sobe ao altar da Igreja de Saint James para celebrar a eucaristia. A escutar o capelão temporário costumam estar cerca de 25 pessoas. Mais nas celebrações especiais, como a Páscoa ou o Natal. Jovens, nem vê-los. “Existem muito poucos jovens ingleses a viver cá. Os membros mais velhos da congregação são casados com portugueses e os filhos são completamente portugueses, ou, então, jovens que procuram Inglaterra para estudar e trabalhar”, diz-nos Michael, que considera mesmo que o futuro da Igreja em Portugal pode estar em risco.

Além do distanciamento da comunidade inglesa residente em Portugal, Michael Bullock aponta a secularização do mundo ocidental como uma das razões para a diminuição de jovens nas igrejas. Apesar do caminho dos jovens se afastar da Igreja, não se afasta da necessidade de Deus. “O desejo por Deus é constante, mas expressado de diferentes formas”. Mas, então, surge a questão: será possível viver a fé fora da igreja?

Fé e igreja

Numa tarde de terça-feira, a igreja está vazia. Sobre os lugares vazios apenas a luz que trespassa os vitrais coloridos que preenchem as paredes. Neles as figuras de St. James, St. Patrick e St. George (São Tiago, padroeiro de Espanha e dos peregrinos, São Patrício, padroeiro da Irlanda, e São Jorge, padroeiro de Inglaterra, respetivamente). O tempo parece parar, tal é o silêncio. Ao fundo, as portas estão abertas para quem quiser entrar. Mas Michael diz-nos que a fé pode estar nos dois lados. “É possível procurar Deus fora da Igreja, assim como é possível procurar dentro da Igreja. Eu, pessoalmente, não conseguiria. Eu preciso dos sacramentos, da estrutura… É difícil viver a fé cristã sem ser ensinado do que ela é e do que é o cristianismo”.

Para Michael, a fé tem de ser ensinada, mas, acima de tudo, vivida com os outros. “Não consegues viver uma vida de fé sozinho. Por vezes penso que seria mais fácil ser cristão se não existisse mais ninguém assim no mundo. Mas não seria cristianismo! Cristianismo é a forma como te relacionas com as outras pessoas”.

Fé, razão e experiência

A importância do outro envolve os crentes, mas lança a dúvida sobre qual o papel daqueles que se mostram céticos ou mesmo avessos à ideia da crença num Deus. “É obviamente possível não ter fé. Existe muita gente que não está interessada na fé da mesma forma que eu não me interesso por futebol. Não tenho nada contra futebol, apenas não me interessa”, considera o capelão.

A questão da crença e da descrença lança o debate do papel da razão e da experiência na forma da relação com a fé. Como crente anglicano, Michael tem a seguinte linha de pensamento: “Se eu acredito em algo, eu tenho de ter uma razão para acreditar. Não é ‘wishful thinking‘, não é um sonho. Fé e razão têm de estar juntas. Alguém que tem fé tem de ser preparado para explicar um pouco da sua fé em termos racionais. Quanto à experiência, depende… Todas as almas são diferentes!”.

O cemitério

A igreja de St. James foi arquitetada em forma de cruz de Cristo, a mesma forma que se pode ver em várias das campas do cemitério anglicano que ladeia a igreja. Construído em 1787, o cemitério é como um jardim carregado de memórias que só termina nos muros que se estendem até junto da Maternidade Júlio Dinis. É ténue a linha que separa a vida da morte. Mas será a fé que une esses dois pontos?