O silêncio e o vazio da sala evidenciam um espaço de reflexão. O vulto debruçado com a cabeça no chão confirma-o. Os lábios movem-se em forma de orações silenciosas. A Sala de Culto é iluminada por um único raio de sol que atravessa o corpo virado para Meca. É hora da oração.

Para Amado Camará, “a oração é comunicação entre o servo e o seu senhor, é recordar que Deus é omnipotente e omnipresente”. E o padre muçulmano recorda-o cinco vezes por dia, tal como manda o Alcorão. O ritual é sempre o mesmo. Os sapatos ficam à entrada, numa estante carregada com outros pares. Quem entra tem de vir limpo. Física e espiritualmente.

Entra-se para a hora da oração como se entra para a fé islâmica: com absoluta entrega. “Um muçulmano tem de acreditar num Deus único, criador de todo o universo e cumprir os mandamentos de Deus tal como o Alcorão nos ensina”. E é o livro sagrado que o padre Amado cita, muitas vezes, para explicar a sua devoção. Para um muçulmano, a máxima sabedoria vem da palavra de Alá, veiculada pelo profeta Maomé.

Deus, o absoluto

As crenças são parecidas a tantas outras. “Acreditamos em anjos, livros santos e profetas, nomeadamente Maomé, que traz honra, lei, dignidade e o caminho para a Salvação. Acreditamos na ressurreição e num Deus justo que julga cada um segundo a sua vida terrena. Acreditamos na glória e no inferno”. Mas os laços de devoção e de compromisso são quase inquebráveis e, por vezes, transformam-se em total submissão. Certo é que se trata de uma vida de sacrifícios e deveres.

As responsabilidades no Islão

“Obrigamo-nos à esmola: cada muçulmano tem de dar 2,5% da sua riqueza para os pobres, de forma a combater o crime, o roubo e o vandalismo. Obrigamo-nos ao jejum: cada muçulmano deve jejuar um mês por ano, para purificação interior e exterior. Obrigamo-nos a fazer pelo menos uma peregrinação a Meca na vida”. E, apesar das duras exigências da fé, os jovens não se afastam. São cada vez mais os que procuram um refúgio.

Na Sala de Culto é costume ver-se rostos mais jovens. Vivem com a fé por perto e é com a devoção a Deus que aprendem a viver. “Temos uma escola que funciona em língua árabe com muitos jovens portugueses, estudantes, jornalistas e comerciantes que precisam do árabe para lidar com os muçulmanos no Médio Oriente. Temos jovens que estão a fazer aqui a sua escola e a sua catequese”.

Mas a vida da Sala de Culto do Porto não se resume aos fiéis. De outros credos ou por mera curiosidade, são muitos os que procuram conhecer a realidade muçulmana. Encontros e aprendizagens que o padre guineense Amado Camará considera necessários para quebrar o preconceito. “Há algum preconceito, porque as pessoas não percebem bem. Na questão do casamento, por exemplo, um muçulmano pode casar-se com quatro pessoas, mas hoje em dia isso não existe. Ninguém quer ter problemas na sua família. Quer-se uma família feliz e alegre”.

A posição da mulher

A fê islâmica domina os debates religiosos contemporâneos. À cabeça, o tratamento e posição da mulher na sociedade. “Nós não nos misturamos com as mulheres na oração. Um homem e uma mulher já sabem no que dá… Temos um espaço fechado especial para as mulheres. Por isso, para não estragarmos a nossa missa, isolamos as mulheres nesse local. Não é obrigatório para uma mulher vir à mesquita fazer a oração. Deve fazê-lo em casa, porque é dona de casa. Mas se vier é bem-vinda”.

O caminho da fé muçulmana está envolto de dúvidas para aqueles que não a partilham ou não conhecem. Os fiéis entregam-se de forma incondicional. “Deve viver-se sem nenhuma mancha de dúvida sobre o que se acredita e o que se pratica. Se não houver nenhuma forma de dúvida, a pessoa pratica tudo como está no Alcorão”. Dividem-se as formas de entrega, diferem as crenças e a fé assume-se como um caminho. O caminho. Para Amado, “a pessoa tem uma necessidade absoluta de ter fé. Em tudo”.