No Instituto de Engenharia Biomédica (INEB), no Porto, os manuais da faculdade são trocados pelas luvas e batas. A aposta está no desenvolvimento de modelos in vitro que simulam o comportamento do corpo humano. O objetivo? Criar alternativas aos testes com animais que permitam avaliar a reação a novos fármacos e experimentar diferentes terapias.

“Está um bocado no início”, explica Joana Costa. A aluna do Mestrado em Bioengenharia chegou há pouco tempo para se juntar à equipa que trabalha com o modelo celular do intestino. Sara Carneiro também é nova no laboratório. Longe de ter a tese concluída, começa a escrever umas páginas na história da biomedicina.

João Coentro e Tiago Santos são os outros dois pupilos que dão voltas à cabeça para melhorar o modelo tridimensional do estômago. Tiago é pós-doutorado no INEB e aponta como principais desafios a “falta de dinheiro para a ciência e a “complexidade do modelo comparativamente a outros algo semelhantes que já se fazem”. Dificuldades que não deixam de tornar o estudo mais “aliciante”, segundos os dois jovens.

Portugueses não são atores principais mas já ensaiam há algum tempo

O que é o projeto Athena?

O Los Amos National Laboratory, nos Estados Unidos, pretende substituir as experiências com animais por órgãos humanos artificiais. Por enquanto foram desenvolvidos miniaturas de um fígado, um rim, um pulmão e um coração, de modo a compor uma imitação básica do organismo. O projeto deverá prolongar-se por cinco anos e envolve um investimento na ordem dos 14 milhões de euros.

“Uma indústria pequenina” onde já há trabalhos semelhantes ao que o projeto Athena (ver caixa), do Los Amos Laboratory, propõe. “Estamos a dar os primeiros passos no sentido de desenvolver este tipo de sistemas. O que este estudo [o Athena] tem de muito inovador é que prevê que através de uma espécie de sistema vascular artificial seja possível interligar vários órgãos criados em laboratório. Esta é a grande novidade e é fantástico”, afirma Pedro Granja, coordenador dos jovens cientistas e investigador do INEB.

Catarina Brito é investigadora no Instituto de Biologia Experimental Tecnológica (iBET), em Lisboa, e lamenta que só se dê destaque ao que é feito lá fora. “Parece que é o único esforço, mas nestes últimos anos têm havido muitos esforços neste sentido. Nos outros o que se está a fazer é uma miniaturização ainda maior. Não é um órgão completo como me parece que vai ser feito, mas unidades mais pequenas”.

No INEB, os ensaios científicos no intestino começaram há cinco anos. Dois anos depois, o estômago foi escolhido para mais um teste de construção artificial através de células humanas. Mais a sul, no iBET, já há 20 anos que se desenvolvem modelos neurais. Para além destes, hoje são também criados em laboratório modelos hepáticos, cardíacos, modelos de cancro do pulmão e da mama.

Programas, no entanto, com uma dimensão muito diferente do que se faz nos Estados Unidos. Os orçamentos são mais pequenos, mas, ainda assim, os investigadores concentram grandes esforços para aperfeiçoar estes modelos de órgãos em miniatura.

“Há países em que há milhões e milhões para a investigação”

Para imitar o estômago humano o INEB dispõe de 200 mil euros. Um valor que contrasta com os 14 milhões de euros que vão financiar a construção de um fígado, um rim, um pulmão e um coração lá fora – que de artificiais devem ter pouco. Isto porque é importante que este sistema alternativo com marca norte-americana “produza uma resposta mais próxima daquela que seria expectável” num organismo real, explica Pedro.

Financiamento para “americano ver”

O IBET reconhece que só com financiamento europeu é que é possível atingir níveis de investimento elevados e, “mesmo assim, é difícil que só um projeto consiga chegar a este tipo de orçamento”. No entanto, o instituto conta com um projeto que contraria a tendência e é recordista nesta área. “Temos um projeto para o modelo de cancro cofinanciado pela União Europeia e pela Associação das Farmacêuticas europeias, cujo o orçamento está na ordem 18 milhões”, afirma a investigadora.

Todos os anos a indústria farmacêutica gasta muitos milhões de euros para criar novos medicamentos. Os testes e ensaios apresentam resultados no médio/longo prazo mas as faturas a pagar chegam bem mais cedo.

Os avanços na construção de sistemas alternativos podem reduzir a experimentação animal, permitindo “desenvolver muito mais rapidamente substâncias que possam ser úteis para melhorar a nossa saúde e, claro, a um custo muito mais baixo que é bom para todos”, esclarece o investigador.

“Ninguém pode fazer ensaios em animais como bem lhe apetece”

Os animais já não são tantas vezes submetidos a testes mas estes continuam a ser obrigatórios. “Não se pode testar em humanos sem primeiro testar em animais”, afirma Pedro Granja. O que acontece é que só se recorre à experimentação animal “depois de os fármacos e compostos serem testados em células”.

O mesmo não se passa em relação aos cosméticos. “Tem a ver com o objetivo. Se estivermos a falar de medicamentos em que tem que se estudar muito bem a absorção pelo organismo, temos sempre de ter um organismo completo a lidar com o fármaco primeiro”, considera Catarina Brito, investigadora do iBET.

A maioria dos estudos já envolve sistemas celulares, mas o caminho para impedir que os animais continuem a ser cobaias ainda é longo e vai ser preciso aproximar muito os modelos artificiais do ser humano.

“Acabar com os testes em animais era o sonho de qualquer cientista porque ninguém gosta de fazer experimentação animal. Conseguimos algumas pistas mas há situações em que esta passagem para os humanos é impossível”, confessa Pedro Granja.

Quantos aos riscos dos testes, garante que são muito mais controlados e explica que o processo passa por várias etapas. “Ninguém pode fazer ensaios em animais como bem lhe apetece. É preciso pedir autorizações a uma comissão de ética local, da universidade e nacional”.

A regulamentação exige ainda que o animal esteja em boas condições de saúde e que não seja exposto a sofrimento. Pedro Granja e Catarina Brito asseguram que há sempre anestesia e que quando a incerteza é grande, “não se pode avançar”. Ainda assim, a investigadora considera que o sofrimento é relativo. “Os animais estão em laboratório, estão em jaula. Depende da definição do que é um animal em sofrimento. Ter um animal num pequeno apartamento também é um sofrimento”, remata.