A utopia de tratar o cancro de forma barata já não é tão irreal. Segundo o “The New York Times”, o primeiro ensaio clínico aleatório (o padrão de ouro da Medicina), para descobrir se a aspirina pode ser utilizada no tratamento da doença, já está a decorrer no Reino Unido. A iniciativa é da Cancer Research UK, uma organização inglesa sem fins lucrativos.

Neste momento, o grupo está a estudar os efeitos do medicamento em quatro tipos diferentes de cancro, o que não deve acabar antes do ano de 2025. Embora os resultados ainda não sejam conhecidos, o jornal norte-americano apontou que, por “reduzir a inflamação, retardar o desenvolvimento de novos vasos sanguíneos e inibir a produção de estrogénio, o tratamento com aspirinas pode vir a ser muito eficaz para retardar o desenvolvimento do cancro de mama”.

Se a eficácia do fármaco vier a ser comprovada, será notória a sua importância para mulheres cujo corpo não tolera o tratamento, ou até mesmo para pessoas nas camadas mais pobres da população que, muitas vezes, não conseguem abarcar com os custos dos remédios.

Já nos países em desenvolvimento (muitas vezes com déficit de fármacos), as prescrições com aspirina poderiam fazer chegar os medicamentos a quase todas as pessoas. Numa zona que representa 70% dos casos de mortalidade da doença no mundo, a diferença entre ter algum tratamento ou não ter nenhum poderia ser bastante significativa.

Interesses cruzados

Não é a primeira vez que tais estudos foram feitos. Segundo o “The New York Times”, resultados revelados pelo Jornal de Oncologia já apontavam em 2010 que as mulheres que tomavam aspirina pelo menos uma vez por semana, sejam quais forem as razões, tinham mais 50% de hipótese de sobreviver ao cancro de mama.

Já em 2012, numa pesquisa sobre a utilização de aspirinas para prevenir doenças cardíacas, foi descoberto que o medicamento também está associado com este tipo de cancro, e pode resultar numa “diminuição significativa do risco de morte”.

De acordo com o jornal norte-americano, a demora para iniciar o ensaio clínico aleatório advém da “falta de interesse de grandes laboratórios” (com capital para investir nas pesquisas) em conduzir a investigação. Tal indiferença perante o tema é o resultado da “baixa rentabilidade que a aspirina proporciona”. Enquanto este fármaco, genérico desde o tratado de Versalhes (1919), custa cerca de seis euros e pode vir a durar um ano, outros podem ser vendidos por centenas de euros, o que resulta num lucro muito mais elevado para os seus produtores.

Contudo, é preciso pesar na balança as vantagens comerciais e o bem público, pois estima-se que, se a aspirina funcionar, esta pode vir a salvar cerca “75 mil pessoas por ano, apenas nos países em desenvolvimento”.

Existe uma frase, atribuída a Hipócrates, que vinca a importância de “remédios extremos para doenças extremas”. No caso do cancro de mama, talvez a droga mais simples seja a arma mais poderosa.