“O tema da dívida surge porque é o mais importante desta campanha eleitoral e vai continuar a sê-lo na segunda-feira”. Foi assim que o ex-líder do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, começou o seu discurso no Café Ceuta, na quarta-feira, antecedendo as eleições europeias deste domingo.

A importância atribuída ao assunto surge, em primeiro lugar, porque, para os países da periferia (como Portugal e a Grécia), a dívida foi “um instrumento de submissão política e social e de transformação do regime”, tornando-se também no tema definidor do que serão a Esquerda e a Direita na Europa, a partir da próxima semana. Para além disso, Louçã defende que o programa da Troika nunca poderia ser proposto a uma eleição em Portugal, pelo que foi necessário “invocar a pressão externa para justificar a aplicação de um programa de medidas sociais que vieram facilitar os despedimentos, reduzir as indemnizações e acentuar a desvalorização do salário”.

“Romper com o tratado orçamental é a condição para que haja uma política decente”

A crise financeira de 2008 veio provar que “o euro é um castelo de cartas“, pois só está concebido para que a Alemanha se torne no centro financeiro e político da Europa, perpetuando as condições do tratado orçamental: o agravamento da austeridade que levará a que, nos próximos dez anos, possamos ter duas grandes crises financeiras em vez de uma.

“A austeridade é um programa de destruição” que o Presidente da República, Cavaco Silva, defende. “Mesmo que se resolvesse o défice a curto prazo, temos o problema da dívida, que aumentou”, aponta Francisco Louçã, acrescentando ainda que, para reduzir a dívida de 130% para 60%, em vinte anos, o Presidente da República diz que “é precisa uma taxa de juro abaixo da que Portugal tem tido nos últimos anos, uma taxa de crescimento do dobro da que Portugal tem tido na última década e um superavit comercial como, em 150 anos, Portugal só teve em sete”. E seria preciso, ainda, um superavit do orçamento dez vezes maior do que aquele que vamos ter este ano, calcula Francisco Louçã. “O que seria impossível”, considera.

Sair ou não sair?

Houve ainda tempo para avaliar uma possível saída do euro, caso a reestruturação não aconteça. “Embora essa saída tenha enormes problemas para Portugal, tem também um preço para os credores: é que a dívida, que está em euros, é redenominada, segundo a lei, na nova moeda. E essa moeda, ao desvalorizar, representa grandes perdas para os credores. Metade da dívida pública portuguesa, pelo menos, é dívida segundo a lei portuguesa”. Para já, o cenário europeu político merecido seria a eleição de um segundo eurodeputado do Bloco de Esquerda.

Por isso, “romper com o tratado orçamental é a condição para que haja uma política decente” e a única solução seria a reestruturação da dívida. Aqui, o ex-líder do Bloco de Esquerda passou em análise o manifesto que assinou ao lado de outras 73 personalidades, um manifesto “surpreendente pela sua amplitude e por juntar pessoas que não têm nenhum ponto em comum sobre como se deve governar o país”.

Anuncia, também, que, em conjunto com outros colegas, está a preparar um relatório que apresenta um dos modelos possíveis para a reestruturação da dívida, sendo que “a reestruturação desejada passa por alterar as suas condições, abatendo-a, e que a forma mais eficaz de o fazer seria alterar simultaneamente o prazo e os juros”. Se isso acontecesse, o valor real da dívida passaria a metade ou menos de metade.

Uma renegociação deste tipo traria outra vantagem, pois, ao reduzir o pagamento anual dos juros, haveria uma folga de cinco mil milhões de euros por ano, “o que precisamos para investimento e o suficiente para ainda termos superavit“, estima Louçã. Ao deixar de pagar o nível de juros que, atualmente, é cobrado aos portugueses, Francisco Louçã considera que Portugal obtém a melhor vantagem possível, que é não depender dos mercados financeiros. Para convencer os credores, caso os argumentos não sejam suficientes, a hipótese mais viável seria “o mandato popular, pois a reestruturação é urgente“.

O debate terminou com o reforço da importância que é uma aliança íntima entre as forças sociais da Esquerda à escala europeia e, acima de tudo, “para salvar Portugal, recuperando a democracia e protegendo-a”.