1. A Tiróide

A tiróide (conhecida como a “borboleta”, devido à sua forma) é uma glândula localizada na parte anterior do pescoço, debaixo da laringe, que produz hormonas que regulam a temperatura corporal, ajudam o organismo a usar eficientemente a energia e contribuem para o normal funcionamento de importantes órgãos como o coração, o cérebro, o fígado e os rins. No seu conjunto, as doenças da tiróide afectam um milhão de portugueses. A 25 de maio celebra-se o Dia Internacional da Tiróide e a primeira associação destinada aos doentes da tiróide, a ADTI, nasceu no Porto.

Aos 14 anos, Ana Rita andava demasiado irritadiça e tinha mudanças de humor constantes. Problemas típicos da idade, “por questões hormonais, relacionadas com a adolescência”, acreditava. A fadiga muscular, as cãibras e o peso abaixo da média também não lhe pareceram estranhos: “Pensei que era porque tinha crescido muito”, recorda.

Um dia, a meio de uma saída, sentiu “uma grande dor de barriga” que a levou de urgência ao hospital. Quando lá chegou, a médica percebeu que tinha bócio (um inchaço visível da parte inferior do pescoço) e o diagnóstico estava praticamente feito: um caso típico de hipertiroidismo (ver caixa 2).

Trocando por miúdos, a glândula tiróide de Ana Rita estava em hiperatividade, produzindo hormonas tiroideias em excesso e desregulando-lhe completamente o organismo. Três anos depois, quatro comprimidos por dia e exames de três em três meses chegam para controlar o transtorno.

“Antes de se colocar a hipótese de ser a tiróide, coloca-se quase a hipótese de tudo o resto”

2. Hipertiroidismo

Tal como em 70 a 80% dos casos, o hipertiroidismo de Ana Rita foi provocado por uma doença auto-imune demoninada “Doença de Graves”, um transtorno do sistema imunitário que ataca a glândula tiróide.

Um dos maiores problemas das patologias relacionadas com a tiróide é precisamente o facto dos sintomas, como a ansiedade, serem “demasiado comuns” e facilmente explicados por outros transtornos menos graves e mais rotineiros.

“Antes de se colocar a hipótese de ser a tiróide, coloca-se quase a hipótese de tudo o resto”, explica Catarina Tavares, estudante de doutoramento e membro de um grupo de investigação dedicado à tiróide. “Muitas pessoas que chegam ao endocrinologista já estão a ser medicados para a depressão”, por exemplo. Por isso, é importante estar informado.

Andreia, hoje com 30 anos, teve um carcinoma papilar – como quem diz um cancro na tiróide, com tudo que a palavra acarreta – e é o melhor exemplo disso. Não teve sintomas nenhuns a não ser o bócio e nem isso lhe chamou a atenção.

“Pensando melhor e olhando para trás”, reflete, “eu tinha sintomas. Havia dias em que não conseguia dormir, sentia uma espécie de aflição a chegar-me à garganta”, mas “nunca valorizei muito”. Uma vez sentiu falta de ar a comer, mas achou que, com o aparelho dos dentes, “não estava a mastigar bem a comida”. Também tinha tonturas, mas não chegou para que ficasse preocupada.

Foi a tia quem reparou no inchaço que a levou ao hospital, numa altura em que “o nódulo já tinha rebentado”, como lhe disseram. “Nunca tinha reparado”, garante. Teve de ser operada e retiraram-lhe a tiróide. Só depois da cirurgia teve noção de que pertenceu aos 5% de portugueses por ano que sofrem de tumores da tiróide (apenas 10% são malignos). Fez tratamento com iodo radioativo (ver caixa 4) durante dois dias, em isolamento, e pouco tempo depois ficou bem. Hoje, basta um comprimido de manhã, em jejum, e uma consulta de rotina uma vez por ano.

“O cancro da tiróide até é um dos mais fáceis de tratar”

Marisa Rodrigues, de 23 anos, partilha esta rotina com Catarina. Removeu a tiróide há quatro anos depois notar o inchaço no pescoço que pensou ter sido provocado por “alguma coisa nas aulas de educação física”. A biopsia revelou um nódulo na tiróide “que nunca parou de crescer”, mesmo com a medicação para o efeito.

3. Hipotiroidismo

O Hipotiroidismo, contrário do hipertiroidismo, acontece quando a tiróide não liberta hormonas em quantidade suficiente, fazendo com que o organismo queime energia mais lentamente. É a alteração da tiróide com maior prevalência.

Acabou por ter de recorrer à cirurgia e quatro anos depois a única coisa que ainda a incomoda é a cicatriz, que não esbateu e está “num sítio visível”. Já na altura desvalorizou o resto: “No início foi assustador mas depois pesquisei e fiquei mais descansada. O cancro da tiróide até é um dos mais fáceis de tratar”, diz.

É verdade: mais de 80% dos casos são de fácil resolução e só uma pequena percentagem de tumores na tiróide não responde bem ao tratamento. É sobre estes casos que o trabalho de Catarina Tavares se debruça, no grupo de investigação “Cancer Biology” liderado por Paula Soares, no Ipatimup.

“A maior parte dos tumores é curável com a cirurgia e o iodo radioativo, mas há um grupo deles (cerca de 5%) que deixa de responder ao tratamento químico, o que resulta em metástases (maioritariamente ósseas e pulmonares)”, explica Catarina. “São estes os que eventualmente podem levar à morte”, complementa Paula.

4. O sucesso da “terapia dirigida”

Um dos problemas da quimioterapia é o facto de não matar apenas as células tumorais mas também as boas. No tratamento com iodo isto não acontece e é uma das mais bem sucedidas terapias dirigidas: “A tiróide é um dos únicos órgãos do corpo humano que expressa uma proteína da membrana que consegue captar o iodo para dentro da célula. Tirando vantagem dessa característica, o tratamento do cancro da tiróide é o iodo radioativo, ou seja, apenas as células da tiróide e derivadas – como as metástases – é que absorvem o iodo que a pessoa toma. Como é radioativo, elas vão acabar por morrer”. Nos piores casos, os tumores deixam de expressar essa proteína, por vários fatores. “Ai, temos um problema: a terapia não resulta”, explica Catarina.

Por isso, a jovem estudante quer descobrir “que mecanismo moleculares estão por detrás dessa alteração (ver caixa 4) de forma a encontrar maneiras de tornar estes tumores novamente sensíveis à terapia”. Não é fácil, mas “sempre que há um resultado positivo, vale a pena”. “Se não for possível fazê-lo, ao menos que consigamos conhecê-los melhor e dizer: eles são diferentes por isto, isto e isto”, diz.

Mas a esperança é a última a morrer e no grupo já existem exemplos de sucesso: “O nosso grupo já conseguiu ser o primeiro a identificar uma das alterações genéticas mais frequentes, do gene B-Raf, que está muitas vezes alterado nos carcinomas papilares da tiróide”, conta Paula Soares.

Para os leigos pode não parecer nada, mas “permite identificar os tumores que vão ser mais agressivos e tratar de forma diferencial as pessoas que vão ter uma doença que pode recorrer ou criar metástase”, explica Paula. Um tratamento personalizado desde o início que aumenta as hipóteses de sucesso. Mesmo assim, ainda há “muitas perguntas a precisar de resposta”.

“Porque é que é mais frequente nas mulheres?” é uma das perguntas a que ainda não conseguem responder. “Gostávamos muito de saber”, diz Paula. Mas o interesse não é tudo: “É raríssimo que esta patologia leve à morte dos doentes e isso torna difícil convencer as entidades financiadoras a investir neste tipo de projetos”, mesmo que possa “melhorar o tratamento e a qualidade de vida dos pacientes”.