Organizada pelo Instituto da Defesa Nacional, nesta terça-feira, a conferência “A crise na Ucrânia: uma perspetiva geopolítica; implicações da crise no Sistema Internacional” encheu o Auditório Carvalho Guerra, na Universidade Católica do Porto, na Foz.

Coube ao primeiro orador, Armando Marques Guedes, professor de Política Internacional, explicar o enquadramento geopolítico que envolve os conflitos entre a Rússia e a Ucrânia. Num conjunto de imagens, Marques Guedes mostrou os acontecimentos que deram origem à crise que o país ucraniano está a viver e a consequente anexação da Crimeia.

Alguns confrontos foram mostrados e explicados, como o massacre que decorreu no aeroporto em Odessa, por parte de milícias pró-russas, que resultaram em 80 mortos. A propaganda russa foi também referida pelo orador, que trouxe para a conferência imagens de uma manifestação com bandeiras nazis, autorizada por Putin, que aconteceu em Moscovo, em março deste ano.

Armando Marques Guedes não deixou de salientar que as eleições europeias que ocorreram a 25 de maio foram muito importantes para este processo. Em Donetsk, nenhum posto de voto foi aberto e algumas tropas “orgulhosamente andaram a dar entrevistas a dizer que eram chechenas e que estavam ali para ajudar a mãe Rússia, a nova Rússia”, explicou o orador.

Quanto às eleições na Crimeia e à vitória da extrema-direita europeia, Armando Marques Mendes disse que, olhando para os resultados russos e para os dados lançados pelo documento das Nações Unidas, “houve fraude”. “Parece evidente”, confessou.

A autoridade de Putin

Bruno Cardoso Reis, um dos oradores, acrescentou que a operação da anexação da Crimeia foi uma operação controlada por Putin, mas que lhe podia ter custado a perda de parte da Ucrânia. Esta operação apenas resultou porque a Europa não tinha como oferecer à Ucrânia condições muito generosas, enquanto a Rússia tinha a capacidade de dar dinheiro à Ucrânia, que esta acabou por não aceitar.

No final da conferência, Cardoso Reis revelou a sua preocupação em relação às ações da Europa e com o rumo que esta está a tomar: “Eu espero que a Europa tenha uma ideia menos economicista de si própria”.

“Todos fingimos que não existe um conflito armado na Ucrânia”

Já José Azeredo Lopes, professor na área do Direito Internacional, apresentou à audiência uma avaliação sobre a crise da Ucrânia e a disputa entre a Europa e a Rússia, de um ponto de vista jurídico. É apontado pelo orador que, embora a Ucrânia tenha as suas fronteiras consolidadas formalmente, “nunca tiveram uma resolução formal” e “a Ucrânia nunca conseguiu ser um Estado”. “A Ucrânia nunca foi um país realmente soberano”, considera Azeredo Lopes.

A razão que dá origem aos conflitos é a divisão do povo da Ucrânia entre os ucranianos e os pró-russos. “Não há, de facto, um povo ucraniano; há etnicamente ucranianos e há aqueles que são formalmente ucranianos”, afirmou o orador.

O professor sublinha ainda que as relações entre a Ucrânia e a Rússia eram benéficas para ambos os países. Se, por um lado, a Rússia exercia uma certa paternidade relativamente à Ucrânia, por outro lado a Ucrânia conseguia vender ao país russo grande parte dos seus produtos eletrónicos e conseguia comprar gás a um preço mais baixo. Só quando a Rússia decidiu aumentar os preços e a Ucrânia não aceitou, o país russo “ameaçou que ia fechar a torneira”.

A hesitação da Ucrânia em aceitar o acordo de parceria reforçada com a União Europeia ou a contraproposta da Rússia fez perceber, na opinião de Azeredo Lopes, a falta de soberania do país. A União Europeia mostrou a incapacidade em compreender a história da Ucrânia e “a Rússia deverá ter percebido que ou fazia alguma coisa rapidamente ou ia perder a Ucrânia ou a Crimeia”.

“Portanto, temos uma situação extraordinária em que todos sabemos que há um conflito armado, mas que todos fingimos que não existe um conflito armado na Ucrânia”, afirmou Azeredo Lopes. O professor realçou ainda a estratégia utilizada pela Rússia, em que não há, propriamente, uma anexação da Crimeia pela Rússia. Em vez disso, o território ucraniano exerceu o seu direito de sucessão, seguido de um pedido de anexação, que foi aceite pela Rússia.