Uma das salas da Árvore encheu, esta quinta-feira, numa noite dedicada a Vasco Graça Moura. Ali, o escritor era visto como um amigo que sempre colaborou e deu algo pela Cooperativa. O filho, Gonçalo Graça Moura, diz não ter existido “uma saída de fim de semana que não acabasse” ali, “com os gatos que por” lá “deambulavam”.

Portuense, Vasco Graça Moura nasceu na Foz do Douro, em 1942. Eduardo Paz Barroso acredita que “falar do Vasco é falar do Porto de um certo modo”. Como o próprio escreveu, “Todos somos do Porto ou pelo menos fomos do Porto uma vez na vida”. Foi na Invicta que o poeta exerceu advocacia durante alguns anos, depois de uma passagem por Matosinhos.

Paz Barroso lembra o humor de Graça Moura, numa das passagens pelo Jardim do Passeio Alegre. “Ele olhava para uma placa que dizia ‘Mictório’ e não percebia por que é que aquilo era património municipal”. Barroso recorda o advogado de barra que Graça Moura era, “sempre com a piada certeira e o argumento eloquente”.

Gil Moreira dos Santos fala do pouco tempo que Graça Moura dedicou à advocacia. “Era quase um hobby, fez do direito um mistério”. A parelha que fez com Miguel Veiga era “quase imbatível e de enorme contundência”. Numa profissão que, segundo Moreira dos Santos, é preciso “convencer mesmo quando não se tem razão”, o humor e a grande ironia com que fazia as intervenções agitava a sala e quem a ele se opunha. A eloquência de Vasco Graça Moura confirma-se nas palavras de um furtador de galinhas que defendeu: “Quando entrei sabia que tinha roubado galinhas, a meio comecei a ter dúvidas, agora tenho a certeza que não roubei nada”.

Forte oposição ao Acordo Ortográfico

Vasco Graça Moura era um dos mais assertivos críticos e uma voz com peso contra o Acordo Ortográfico (AO). Dizia significar “a perversão intolerável da língua portuguesa”. Em 2008 escreveu o ensaio Acordo Ortográfico: a Perspectiva do Desastre. Tentou, nos últimos anos, travar a sua aplicação. Em 2012 chegou a anular o AO do CCB, órgão que presidiu até à data da sua morte.

“Se houve alguém com quem ele se pareceu mais foi com Jorge de Sena”

Isabel Pires de Lima compara os romances de Vasco Graça Moura com “um tabuleiro de um jogo de xadrez”. Relembra as imagens constantes do Porto e do Alto Douro vinhateiro, não esquecendo o Alentejo e Lisboa. A ex-ministra da Cultura do Governo de José Sócrates menciona a opinião de Graça Moura em que “coloca a produção narrativa sempre abaixo da obra poética”. O escritor costumava dizer “poeta até ao umbigo, os baixos… prosa”.

A poesia é uma das áreas pela qual Vasco Graça Moura ficou mais conhecido. Publicou quase 30 livros de poemas, desde Modo Mundano (1963) a O Caderno da Casa das Nuvens (2010). Luís Miguel Queirós, jornalista, assemelha Vasco Graça Moura a Jorge de Sena. “Se houve alguém com quem ele se pareceu mais foi com Jorge de Sena”. Queirós diz ser A Escola de Frankfurt, um poema de 1981, o início de um “relativismo cultural a que se começou a chamar pós-modernidade”.

A questão da inspiração também é discutida pelo jornalista. Sobre ela, Graça Moura escreveu: “Nunca a inspiração me deu fosse o que fosse, nem um grito”. O escritor dizia dever tudo ao trabalho, à técnica e à disciplina. Luís Miguel Queirós cita o poema picasso visto do porto, e diz “desculpa Vasco, mas poemas como estes são poemas a que ninguém chega por técnica e transpiração”.

Tradutor exímio, destaca-se a versão portuguesa da Divina Comédia, de Dante, ou a obra integral dos Sonetos, de Shakespeare. Também a política fez parte da vida de Vasco Graça Moura. Foi secretário de Estado em dois Governos provisórios a seguir ao 25 de abril de 1974. Fiel ao PSD, foi eleito para o Parlamento Europeu em 1999 e cumpriu dois mandatos como eurodeputado. Em 2012 foi nomeado presidente do Centro Cultural de Belém e, mesmo na sua fase terminal, a doença não o impediu de desempenhar as funções na presidência da instituição.

As palavras necessárias para o classificar são muitas: poeta, tradutor, ensaísta, romancista, advogado, político, historiador, cronista, entre outras. Luís Miguel Queirós classifica Vasco Graça Moura como um intelectual renascentista, “que o levava a ter uma intervenção cívica constante, uma atividade política e uma vida profissional intensas, e, ainda assim, arranjar tempo para criar uma obra literária extensa”.