Diogo Vasconcelos, Henrique Pinto e Rui Marques foram os fundadores da revista Cais. Inspirada na britânica “The Big Issue”, a CAIS surgiu como uma forma de criar um emprego remunerado para pessoas em dificuldades. Atualmente publicam 11 edições por ano e têm, em média, tiragens na ordem dos 15 mil exemplares.

Na cidade do Porto há, neste momento, 14 vendedores da revista CAIS. O JPN esteve à conversa com dois deles. Marco tem 40 anos, é ex-toxicodependente e já viveu na rua. Agora vive num quarto alugado e diz que trabalhar com a CAIS o tornou “num homem melhor”. Conceição, 38 anos, está desempregada e cortaram-lhe o subsídio de desemprego. O dinheiro que ganha com a venda das revistas, conta, chega apenas para “o dia-a-dia”, mas é melhor que a alternativa.

Marco trabalha com a CAIS há quase um ano e meio. Quando começou a vender a revista, admite que esteva reticente. “Eu via pessoas a passarem na rua com a revista e questionava-me: será que andam a pedir? Mas depois de ir à entrevista apercebi-me que era outra coisa”. “No primeiro dia, fui para a rua, às escuras, sem saber o que é que havia de fazer com as revistas. Mas lembro-me da primeira pessoa que me comprou uma revista. Essa pessoa disse-me ‘não tenha vergonha daquilo que está a fazer. Vocês não estão a pedir, estão a vender'”, conta.

Conceição entrou há cerca de oito meses para a CAIS. Conheceu a revista por um amigo e veio inscrever-se num curso de formação de técnicas de vendas. “Na altura, estava desempregada. Inscrevi-me, nem que fosse para ter algo com que me ocupar”. No primeiro contacto que teve com as pessoas, notou que quem comprava já conhecia a revista.

A ajuda da CAIS

Com o tempo, Marco foi “ganhando jeito para a coisa”. Agora, vende cerca de quinze revistas por dia. Marco explica que trabalha por objetivos e esforça-se por vender no mínimo dez por dia. “Tenho sofrido muito. Tive vários problemas, tive vários vícios. Mas cheguei a uma altura em que disse: “Não, tenho que fazer alguma coisa por mim”. E agora, faço. Faço o meu horário, não tenho patrões que me obriguem a trabalhar, mas trabalho como se fosse um emprego qualquer”, conta.

Ambos consideram trabalhar para a CAIS um emprego, apesar de, idealmente, ser algo temporário. Conceição conta que muita gente que a via a vender a revista fazia “generalizações”. “Pensavam que nós eramos sem abrigo, ou que tínhamos algum vício. E eu explicava que simplesmente estou desempregada, que nunca tinha passado tantas dificuldades, e que estava ali a trabalhar e não a mendigar”, recorda.

Cláudia Fernandes, coordenadora da CAIS Porto, explicou ao JPN que a CAIS fica com 30% da receita das vendas, e 70% reverte para os vendedores. Isto é, dos dois euros de cada revista, o vendedor ganha 1,40 euros e os restantes 0,60 cêntimos vão para a CAIS. O esquema de venda, diz a coordenadora, “promove a autonomia e a ação, ao invés da inércia e do assistencialismo”. A venda da revista não cobre todos os gastos, mas permite ajudar quem precisa.

Ambições para o futuro

Marco gostava de ter um emprego e casa própria (está a partilhar casa com um amigo), mas o futuro não se revela próspero. “Se nem os jovens conseguem emprego… Sou eu com 40 anos que vou conseguir?”. Se arranjasse emprego “ia sem pensar duas vezes”, mas admite que ia “sentir falta da CAIS, especialmente do contacto com as pessoas”.

É a preocupação e o carinho que recebem dos “clientes habituais” que dão força a Marco e Conceição. “Tenho clientes que me compram a revista quatro ou cinco vezes por mês. E muitos veem falar comigo, saber como é que eu estou, se preciso de alguma coisa. Uma senhora chegou mesmo a oferecer-se para me pagar o almoço todos os dias. Eu disse que não podia aceitar, nem me ia sentir bem”, conta Marco, comovido. “Acho que se se transmitir aquela imagem de coitadinhos deixa as pessoas de pé atrás”, acrescenta.

Não é a primeira vez que Conceição tem que interagir com o público. Quando tinha seis anos saiu da escola para ajudar os pais, já reformados, e foi trabalhar num supermercado. No entanto, admite que era um tipo de interação diferente. “Na revista, é totalmente diferente porque estamos mais expostos. Há pessoas que eu acho que ainda não aceitam o facto de estarmos a vender e a apregoar o nome da CAIS. Outras pessoas têm a sensibilização da parar para comprar ou gostam muito de saber o porquê de estarmos ali”.

Ambos não escondem a gratidão que têm pela CAIS e pela ajuda que têm recebido. Conceição conta que “se não fosse a CAIS, estava numa situação muito pior”. Para Marco, esta ajuda “é gratificante”. “O que posso dizer é que gosto do que faço. E queria agradecer as técnicas da CAIS, o que fizeram por mim e enquanto puder vou dar o meu máximo”, afirma. Os elogios e as críticas ajudaram-no a melhorar. “Antes era uma pessoa impulsiva e não me ria para as pessoas. Agora, não, já me rio e sei que estou a melhorar. Sinto-me outra pessoa”.