A última das sessões do programa “Cultura em Revolução” deu origem a uma conversa entre João Mota, diretor do Teatro Nacional D. Maria II, e Nuno Cardoso, encenador, sobre o teatro depois do 25 de abril de 1974. Esta foi moderada por Eugénia Vasques, que contextualizou a plateia quanto aos fenómenos teatrais que já existiam antes da revolução.

João Mota partiu dessas estruturas já existentes para explicar que “já se trabalhava para uma abertura antes do 25 de abril”, acrescentando depois que “é mais fácil lutar contra algo”, como no período do Estado Novo, do que não ter um “muro” contra o qual lutar, razão pela qual João Mota acredita que os criadores hoje se veem a braços com um problema sobre a génese da criação.

“Assusta-me muito na nova geração, porque já não se surpreendem com nada. Sabem tudo”, explicou o diretor artístico do D. Maria II, além de considerar que outro dos problemas que afeta os novos criadores é a “falta de dinheiro para viajar, ter livros, ouvir música”.

Para João Mota, mais importante do que o 25 de abril de 1974, foram os criadores que começaram a reformar o teatro mesmo antes da revolução, bem como a reforma do ensino artístico levada a cabo pelo Ministro da Educação de então, Veiga Simão, e por Madalena Perdigão, que estava à frente da Fundação Gulbenkian. “Tenho muita pena, mas penso que o 25 de abril não alterou absolutamente nada; o que importa são as pessoas que vão alterando o teatro antes do 25 de abril e depois o alteram com a revolução”, explicou.

“Cultura em Revolução” chega ao fim

Esta foi a última das sessões do “Cultura em Revolução”, por onde passaram, ao longo de cinco conferências, Lídia Jorge, B Fachada e António da Cunha Telles, entre outras figuras.

O diretor realçou a importância de conhecer o contexto do teatro em Portugal para projetar o futuro, e referiu um regresso a um período de menor abertura, ainda que por razões diferentes. “O que me assusta é que estamos a voltar ao sentido da posse do quintal, de não falar, de termos medo, o medo do desemprego, de perder a casa, de não ter dinheiro para os filhos”, explicou João Mota, estabelecendo um paralelismo com o período da ditadura.

“A abertura deu-nos a perceber o país onde estávamos, o país real”, disse o diretor do Teatro Nacional D. Maria II, acrescentando depois que o papel dos criadores é o de “abrir horizontes”.

“Estamos incomparavelmente melhores”

Nuno Cardoso, criador e encenador, falou de um “25 de abril mitológico” que existe na memória de muitos da sua geração, ele que nasceu em 1972. “A minha experiência é uma experiência de inconsciência”, disse o encenador, que pensa que nos 40 anos desde o 25 de abril de 1974 se “perdeu qualquer coisa” pelo caminho.

Apesar de tudo, Nuno Cardoso reconhece a presença forte da revolução no teatro e no trabalho que tem feito durante a carreira, principalmente depois de se formar e se mudar para o Porto. “Acho que não faço outra coisa senão discutir abril, discutir a memória que tenho, em termos individuais, do que eu sou, de como me situo”, afirmou.

Nuno Cardoso falou ainda dos malefícios da democracia e da “cultura dos gestores, os super-heróis da sociedade atual”. “Endeusamos tanto a democracia, como se fosse uma coisa pura. A democracia não é nada pura, a democracia é negócio”, explicou.

Apesar dessa questão, Nuno Cardoso considera que o país está “incomparavelmente melhor” em termos de abertura, explicando que, “em ditadura, não se pode transmitir memória nenhuma”, o que impedia o progresso.

O criador referiu-se às gerações mais novas, que considera saberem “viver verdadeiramente em liberdade”, embora pense que se tem assistido a um “imenso processo de síntese”, no que toca à cultura na sociedade atual.