Antigo aluno da Escola Superior de Jornalismo, Luís António Santos faz parte dos muitos colaboradores que se dedicaram à RUP. Autor de programas de música como "O Lago da Íbis" e programas informativos semanais, explicou ao JPN a importância desta rádio para a sua geração.

Como é que foi parar à RUP?
Eu comecei na rádio local Nova Era, que ainda hoje existe. Foi uma experiência de verão. Eu ainda estava no ensino secundário quando um amigo meu que por acaso tinha entrado em Matemática, no atual edifício da reitoria da Universidade do Porto, disse: “Porque é que não te juntas a mim e fazemos um programa para a rádio universitária?” E foi assim que eu entrei na RUP. Depois continuei associado à rádio universitária mas num outro programa de carácter mais informativo. O primeiro programa era de entretenimento e ao fim-de-semana.

O que é que fazia lá? Era só programas ou também fazia, por exemplo, os noticiários?
Nunca fiz noticiários. Estive sempre ligado a programas de música e de entretenimento ao fim-de-semana, e às vezes tinha entrevistas. Lembro-me que uma das entrevistas que fizemos e que passou pela primeira vez nesse programa foi o Ayrton Senna da Silva. Ele veio ao Porto e nós andámos atrás dele pela cidade até que o conseguimos apanhar na Real Companhia velha. Lembro-me perfeitamente de conversar com ele e de lhe dizer: “É da rádio universitária”, e ele nem perceber o que eu estava a dizer, porque a RUP para o universo dele se calhar nem existia. Mas lembro-me perfeitamente da cara dele de espanto, de desconfiado, a pensar: “Estes dois são meios disparatados da cabeça”. Depois, num outro momento, estive ligado a um programa de informação semanal.

Nos dois anos em que esteve na RUP, Ayrton Senna foi o entrevistado que mais o marcou?
De certeza, de certeza… era tudo muito bizarro para nós nessa altura porque a rádio era pirata e não tínhamos certeza se estávamos a ser ouvidos ou não. Era bizarro para mim, um jovem de 17 ou 18 anos a falar ao microfone, a fazer passatempos e as pessoas irem buscar os prémios mesmo ao edifício durante a tarde. Para mim isso era tudo muito estranho e muito interessante ao mesmo tempo. Portanto, há assim uns momentos de conversas e de falhas sobretudo, que eu guardo com alguma memória e também com algum afecto.

“A ideia que eu tenho da programação é que era muito mais ecléctica do que hoje são as programações nas rádios”.

Voltou a encontrar-se com colegas que também estavam na altura na RUP?
Sim, noutras ocasiões. Alguns são amigos meus ainda hoje. Outros nem tanto, perdemo-nos. Mas há sempre esta ligação: as pessoas sentem-se identificadas com um passado sobre o qual criam uma imagem meio mitológica. Eu não sei bem se aquilo que tenho na minha cabeça sobre a Rádio Universitária e sobre as minhas experiências também nas rádios Nova Era e Caos, são mesmo verdadeiras ou são criações minhas. Já foi há mais de 20 anos, já foi há muito tempo.

Como é que distribuíam os programas e as funções?
Eu creio que havia tempo de antena e uma direção editorial, um dos diretores que conheci na altura foi meu colega na Escola Superior de Jornalismo. Eles tinham uma grelha com programas fixos à semana, que do meu ponto de vista não é uma coisa que tenha evoluído muito nos últimos anos, e programação a que eu chamaria de autor durante o fim-de-semana. Da primeira vez que fomos propor um programa, ele disse-nos “Tenho livre este quadradinho”, e foi isso que ficou. Por isso, a ideia que eu tenho da programação é que era muito mais ecléctica do que hoje são as programações nas rádios. Lembro-me que havia programas de Jazz, programas de conversa, havia música mais popular, no sentido de pop music, e mais para o fim da tarde aconteciam programas com uma música mais distintiva. Apesar de existir uma direção editorial havia muito espaço para que se pudessem propor ideias diferentes e a pressão comercial que hoje as rádios gerem de forma tão eficiente, não existia na altura. Para garantirmos o tal “quadradinho” na grelha tivemos de garantir patrocínio. Ou seja, a rádio tentava de alguma maneira angariar fundos e ficava metade para nós, metade para a rádio. Na altura fizemos contrato com uma loja de perfumes e depois com uma loja de aparelhagens de som (risos).

Cartão Rádio Universitária

Cartão Rádio Universitária do Porto

Lembra-se de nomes de alguns programas que fez e com quem os fez?
O primeiro programa que fiz chamava-se “O lago da Ibis”. É um nome absolutamente bizarro, e depois não me lembro agora do nome do outro programa, mas era o de informação.

Chegou a fazer algum jingle em direto?
Não, em direto não. Uma vez mais, desse ponto de vista, havia jingles de identidade da rádio. As instalações, no primeiro momento, quando a rádio universitária ainda estava na ex-Faculdade de Ciências, eram rudimentares. Havia uma mesa de emissão e espaço de gestão da rádio, separados por um armário. Nessa altura, era uma coisa muito pequena, muito artesanal e portanto acredito que isso possa ter acontecido.

A RUP tinha um público-alvo?
Nessa altura, no momento de explosão das rádios piratas, as pessoas faziam a rádio que gostavam de ouvir e não conseguiam. Tinha uma identidade muito vincada, com estilos de música mais alternativos do que as restantes rádios piratas da cidade do Porto. Por isso, não sei com franqueza dar-lhe essa resposta.

“A RUP deu-me a mim e a muitos jovens da minha geração uma oportunidade única de cometer erros, de fazer experiências, de fazer coisas completamente mal feitas”

A RUP concorreu à lei da rádio?
A memória que eu tenho é que a RUP concorreu – sendo aliás um caso paradigmático deste ponto de vista, porque tratava-se da maior Academia do país – e não teve direito a uma rádio universitária.

De que forma é que a RUP influenciou a sua vida profissional?
Eu não diria que decidi a minha vida profissional por ter estado na Rádio Universitária do Porto, mas ter lá estado, a par de outras experiências enquanto estudante, determinaram a minha escolha de vida, e a minha escolha e entrada no jornalismo. A proximidade com o universo da comunicação determinaram a minha paixão por rádio, que ainda hoje, considero o meu espaço favorito. No início da minha carreira, foi na rádio que me senti mais realizado e é da rádio que guardo experiências mais gratas. A RUP deu-me a mim e a muitos jovens da minha geração uma oportunidade única de cometer erros, de fazer experiências, de fazer coisas completamente mal feitas. Mas tudo isto serviu para me ajudar a ser um melhor profissional num outro momento da minha vida.

Quais são as principais diferenças entre a rádio de agora e a rádio daquela altura?
Eu acho que no momento de explosão das rádios piratas as pessoas querem proximidade, querem contacto, querem formatos novos. Temos em Portugal vários exemplos de rádios locais alternativas às rádios nacionais que diferem nem que seja no facto de oferecerem proximidade, de terem uma audiência específica e formatos fora do comum. Há pouco experimentalismo em rádio. Acho que as grandes rádios se acomodaram depois de terem experimentado um pouco do medo com as rádios piratas. Portanto, as rádios em Portugal poderiam ser quase todas feitas por máquinas, as playlists dominam, a música é exatamente a mesma quer se ouça a comercial ou a RFM. São produtos enlatados aos quais as pessoas pelos vistos continuam a aderir. Mas são produtos que do ponto de vista da criatividade são muito escassos.