A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) lançou, no ano passado, um relatório onde apela para a introdução de insetos na alimentação humana. O relatório “Insetos comestíveis: Perspetivas Futuras para a Segurança Alimentar” aponta vários beneficios no consumo deste alimento altamente nutritivo, “com um alto teor de proteínas, gorduras e minerais”.

Segundo a FAO, há registo de mais de 1900 espécies de insetos comestíveis entre culturas tradicionais em regiões de África, Ásia e América Latina. O relatório refere ainda que cerca de dois mil milhões de pessoas consomem insetos com diferentes graus de regularidade. Escaravelhos, lagartas, abelhas, vespas e formigas são as espécies mais populares.

Em Portugal já começam a surgir iniciativas no âmbito da gastronomia de insetos. O “Insect Gourmet” é um movimento que promove a degustação destes ingredientes e visa a abertura de um restaurante especializado na área. Na Europa, o produto está, muitas vezes, inacessível e o seu preço ainda é elevado, devido à produção em pequena escala.

A alternativa que se impõe passa por explorar os insetos que existem em Portugal, nomeadamente baratas, gafanhotos, grilos, abelhas e formigas. Ainda assim, o clima nacional não é propício à reprodução de insetos, uma vez que o ideal seria um ambiente quente e seco. Para além disso, os pesticidas agrícolas interferem com o ecossistema, dificultando o processo produtivo.

Vantagens para o ambiente

Para além das vantagens do consumo de insetos para a população e para a resolução da problemática da fome no mundo, a produção de insetos em larga escala também é benéfica para o ambiente: não emite gases com efeito de estufa. As diferenças no processo de produção também são significativas: enquanto oito quilos de alimentos produzem um quilo de carne, para produzir um quilo de insetos bastam dois quilos.

Sabor dos insetos depende do que eles “comem e do estado em que se encontram”

O chef Miguel Mendes, fundador do “Insect Gourmet“, desvenda o processo de confeção: “Os insetos são animais pequenos e a sua preparação é ligeiramente diferente. Tem de ser feita de modo a amolecer o esqueleto, através da marinação”, seguida da desidratação e fritura, “para a casca ficar crocante e fácil de comer”.

Há duas formas diferentes de experimentar o produto: por inteiro ou em farinha. “Experimentar o inseto sem camuflar e sem alterar muito o sabor dá às pessoas noção do que estão a comer”. Mas “os insetos desidratados podem ser tornados em farinha e utilizados em bolos e em vários pratos”, sendo esta a forma mais fácil para introduzir o produto na gastronomia portuguesa.

O sabor dos insetos não depende só da confeção, mas também “do que eles comem e do estado em que se encontram”. “Podem estar no estado de larva ou no estado adulto ou até em fase de transformação, chamada fase de pupa”, esclarece o chef. Apesar da recetividade positiva do público, o movimento “Insect Gourmet” considera “importante quebrar a barreira psicológica e transmitir a ideia de que os insetos podem ser um alimento saudável e saboroso”.

Ricardo Costa, chef executivo no hotel The Yeatman, no Porto, admite que “cozinhar insetos é fugir um pouco do que é a nossa cultura gastronómica”, mas não nega a possibilidade de se tratar de uma realidade a longo prazo. No entanto, o chef tem a opinião de que em Portugal os consumidores têm acesso a uma vasta gama de produtos gastronómicos, como carne, peixe, legumes, frutas, e a introdução de insetos na gastronomia poderá gerar, nesta altura, choque cultural.

O chef Marco Gomes, do restaurante Foz Velha, também no Porto, já está familiarizado com esta gastronomia e defende a sua promoção pelos componentes nutricionais. “Para nós, profissionais, é como utilizar um outro tipo de produto que possa ser e que é aceite como saudável na alimentação”, explica o chef. Como barreira à introdução deste ingrediente em Portugal, Marco Gomes identifica o preconceito, “porque a estética está nas mãos de quem o prepara e na apresentação e finalização dos pratos”.

Apesar de divergências nas opiniões dos especialistas gastronómicos, esta é uma área em expansão na Europa. O maior exemplo da crescente adesão é o restaurante “Noma”, em Copenhaga, cujo menu é composto por pratos com insetos, o que lhe valeu reconhecimento a nível mundial.