Tiago Dias trabalha como jornalista na Agência Lusa mas, em 2006, depois de terminar a licenciatura, conseguiu um trabalho como voluntário em Nablus, na universidade da cidade palestiniana, a cerca de 50 quilómetros de Jerusalém.

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“Acima de tudo queriam que as pessoas fossem lá, que os estrangeiros fossem lá, para verem pelos próprios olhos o que era o dia-a-dia de ser um palestiniano sob ocupação”, explica, acrescentando que o pretendido com o voluntariado, com a duração de um mês, era o de dar “formação de edição de vídeo e áudio as pessoas da universidade”.

A certo ponto, foi-lhe pedido que fizesse “um pequeno filme num campo de refugiados de Nablus, que tem vários”. O campo em que esteve foi o de Balata, a casa de 30 mil refugiados desde 1950. “Estava à espera de ver coisas como tendas, e o que vi foram prédios. Vi prédios, escolas, vi uma mini cidade dentro de outra cidade”, conta o agora jornalista da Lusa, explicando que essa imagem, “diferente do que estava à espera”, deve-se ao facto do conflito se arrastar há décadas.

“O tempo deixou de ter um prazo”

“O meu maior choque foi aperceber-me da permanência de algo que devia ser temporário”, confessa, antes de revelar que encontrou “pessoas que em toda a vida não tinham conhecido outra coisa que não fosse um campo de refugiados”.

Tiago Dias explica que é possível visitar a cidade e não reparar nos problemas que a afetam: “Quase podias ir lá e não te aperceberes dos muitos problemas porque passam aquelas pessoas, os palestinianos e os israelitas, mas eles estão todos lá”, conta. Por vezes, sabia de histórias de “pessoas que estavam sentadas na varanda e viam miras nas paredes”.

“Os elementos de ocupação são quase impercetíveis até ao momento em que deixam de ser, e então são mesmo muito visíveis”, conta, dando o exemplo dos jatos israelitas que fazem um voo baixo e quebram a barreira do som sobre os edifícios, o que é semelhante “ao rebentar de uma bomba”.

Durante a estadia na Palestina, as pessoas que o abordavam na rua perguntavam-lhe sobretudo qual a razão para estar ali. “Porque é que alguém havia de vir de um sítio tranquilo, confortável, agradável, sem guerra, para me ver a mim, que vivo na maior das misérias, na maior das pobrezas, sob ocupação há não sei quantos anos, e não posso ir para casa?”, conta.

“Às vezes, é um país dentro de um país”

Sofia Lorena, jornalista do jornal Público, já esteve em campos de vários países, entre eles a Jordânia ou a Turquia, e esteve recentemente em Zaatari, o segundo maior campo de refugiados do mundo, casa de 150 mil sírios, e um campo em que já existem “estruturas que não são sequer de uma cidade, são de um país”.

“Tens rotinas, lojas, sítios para trocar dinheiro, é uma coisa alucinante”, explica a jornalista, que explica que fazer um trabalho jornalístico num campo de refugiados é tudo menos fácil: “Odeio ter de ver as consequências das guerras in loco, mas eu vou porque acho que ganho muito do ponto de vista humano. Apesar de sair de lá destroçada e de cada momento ser um momento avassalador, aguentas. Porque estão ali seres humanos que perante a pior das tragédias sobrevivem”.

“É só perante a maior das tragédias que a tua força maior vem ao de cima”

Sofia Lorena explica que a situação é complicada, já que o estatuto de refugiado é algo que ninguém quer, ao mesmo tempo que “nenhum país quer ter um campo”, dadas as dificuldades que advêm dessa presença. O Líbano recebeu um milhão de refugiados sírios, ao mesmo tempo que lida com problemas internos. Nas cidades da Jordânia, mais de dois terços da população são refugiados sírios, “o que significa que a população duplicou”.

O que mais impressiona Sofia Lorena nos campos de refugiados é a sensação de claustrofobia: ninguém quer ficar no campo, mas não conseguem sustentar-se fora dele. “É alucinante, ouvir aquelas frases montes de vezes. Fugir de uma prisão para estar noutra. A diferença é que nesta, pelo menos, eu consigo que os meus filhos vão à escola, eu consigo trabalhar”, explica, referindo que nas cidades que acolhem campos de refugiados, estes trabalham para poderem “sobreviver”.

“Quando ficaste sem tudo, o teu país, a tua família, os teus amigos, o simulacro que o campo te dá pode ser tudo, pode chegar para construíres a tua vida”, conta a jornalista, dando um exemplo concreto: “Em Zaatari descobri uma senhora que com os colchões da ONU, pedaços de tecido e t-shirt velhas, que compra por um dinar, tinha começado a fazer capas e vestidos, que vende por um dinar e meio”, conta.

Para quem tem filhos e mesmo netos, acaba por não ser tão complicado, já que as preocupações passam por “garantir o leite, o pão, a educação, a saúde” para a família. Para os mais novos, “entre os 20 e os 30 anos”, a claustrofobia sente-se com mais força, “porque são as pessoas que ainda têm sonhos”.

“Toda a gente tem sonhos, mas é diferente para um jovem que está na faculdade, e que de repente levou com uma guerra em cima. De repente, é pai, marido. A sensação de claustrofobia é quase impossível de aguentar, porque toda a vida que tinha à frente dele desapareceu”, esclarece.

A jornalista do Público revela que é sempre complicado trabalhar nos campos de refugiados, mas o profissionalismo entra em campo depois das emoções. “Estás lá e choras, choras agarrado às pessoas, mas depois engoles em seco e começas a pensar em como é que começas a contar essa história”, afirma.