Não há história do futebol sem Pelé e, por isso, o milésimo golo do ídolo brasileiro deu o pontapé de saída, quase literalmente, para a abertura da 22.ª edição do Curtas de Vila do Conde, no passado sábado, 5 de julho.

As imagens de arquivo do Canal 100 mostram um telejornal de atualidades brasileiro dos anos 60 que culmina com a façanha do jogador. São raras as vezes em que futebol e ativismo convivem lado-a-lado de forma pacífica, mas o Curtas alcançou esse feito.

Diante a enchente que lotava o Teatro Municipal de Vila do Conde, a realizadora norte-americana Kelly Reichardt apresentou o seu mais recente filme, “Night Moves”, a história de três activistas que se juntam afim de destruir uma barragem. Porém, nem tudo corre como planeado e um campista acaba por morrer na explosão. As consequências a nível psicológico são devastadoras e nunca chegamos a perceber os personagens como heróis, e muito menos como vilões.

Aparenta, inicialmente, ser um filme comprometido politicamente mas acaba por se revelar num verdadeiro thriller em que convicções, ideologias e responsabilidades éticas são colocadas em questão. Sob um olhar mais radical, pode considerar-se um filme sobre o fundamentalismo.

Apesar de integrar o denominado cinema alternativo, Reichardt opta pela tradicional narrativa linear, relações de causa-efeito, composições centradas. Gus Van Sant ajudou à rodagem, facto que não surpreende ou a estética de “Night Moves” não nos trouxesse à memória os seus filmes em particularidades como a não-saturação da cor e os cenários sombrios.

Quase noventa anos antes, o vanguardista Dimitri Kirsanoff dava os primeiros passos no cinema com a realização de “Ménilmontant” nas ruas de Paris. Notoriamente influenciado pelo expressionismo alemão e pelo construtivismo russo, Kirsanoff brinda-nos com a tragédia de duas irmãs apaixonadas por um único homem que acaba por abandonar ambas. À frente do seu tempo, o realizador francês monta as imagens num ritmo alucinante, excede-se na caraterização e expressão dramática dos atores e utiliza a palavra escrita, não como intertítulo, mas como elemento puramente tipográfico, visual.

Contemporâneos, mas nem por isso intempestivos, os peixe:avião musicaram de forma contínua esta série de imagens absolutamente disruptivas entre si. Apesar das variações de ritmo e de tons, revelaram-se imprescindíveis mais momentos de silêncio para uma melhor absorção das imagens. Mais uma banda sonora do que um filme-concerto.