No Curtas há cinema e cinema. E animação. Alguma – e alguma boa. Exemplo perfeito são os legitimados belgas Stéphane Aubier e Vincent Patar, realizadores de “Panique Au Village”, série televisiva com 20 episódios difundida em 2002 e, sete anos mais tarde, transformada em longa-metragem. Em 2014, a dupla perpetua a história, em que a amizade une um índio e um cowboy, com a criação de novos episódios, entre os quais “La Bûche de Noël”.

Tudo em torno de um bolo (ou a falta dele) no dia de Natal, neste pequeno cosmo de Aubier e Patar o cavalo é o mais sério e paternalista dos seres vivos, enquanto o índio e o cowboy se revelam infantilizados e os guardas se dedicam a fazer a festa. É caso para dizer: a brincar, a brincar (aos índios e cowboys), se dizem as verdades. A narrativa é simples: as inúmeras tentativas da dupla principal de personagens recuperar, a todo o custo, as suas prendas, após terem sido castigados pela destruição do doce típico, tronco de Natal.

“Person to person” aborda a fugacidade dos dias

Vindo do outro lado do Atlântico mas igualmente cómico, Dustin Guy Defa apresentou a sua própria curta-metragem, “Person to Person”, vencedora de prémios no Festival de Cinema de Berlim e no Festival de Cinema SWSX. Entre analepses e prolepses, a personagem principal, interpretada por Bene Coopersmith, vai contando, a um vizinho e aos vários clientes que surgem na sua loja de música, que uma rapariga desmaiou na sua sala durante uma festa e ali permaneceu até ao dia seguinte.

Durante todo o dia, Benne tenta expulsar a desconhecida que, mesmo depois de acordada, insiste em ficar. Além de um retrato caricato, embora ínfimo, de Brooklyn, o realizador norte-americano evoca a noção do tempo através da fugacidade dos dias.

Embora nascida em Lisboa, a luso-suíça Jenna Hasse compete na secção internacional com a curta-metragem “En Août”. Em aproximadamente nove minutos, Hasse filma um dia particularmente importante na vida de Margaux e de qualquer criança em semelhante posição: a separação do pai.

Quase sempre em silêncio e impávida, Margaux divide-se entre a tristeza, a consciência e a aceitação da mudança. Como a autora refere na nota de intenções, “não filma nada espectacular”. Porém, e talvez por optar filmar através dos olhos da menina, emerge uma intensidade que atravessa o próprio filme mas também o espectador.

Belo, Ruy Belo em estreia mundial

Mas a competição internacional de curtas-metragens começou já no domingo, depois de Ruy Belo ser homenageado com a projeção em primeira mão do documentário “Era uma Vez”.

“O que faz Chico Buarque no ecrã do Curtas?” Lê Ruy Belo. O cantautor brasileiro é o participante especial do documentário biográfico do poeta, “Era uma Vez”, realizado por Fernando Centeio e Nuno Costa Santos, e apresentado em estreia mundial no Teatro Municipal de Vila do Conde. Quase não poderia ser de outra forma, dada a ligação muito próxima de Ruy Belo com a localidade, ou não fosse casado com uma habitante da terra, e em particular com o mar.

Através de depoimentos de personalidades como Luís Miguel Cintra, Vítor Silva Tavares, Teresa Belo ou Alice Vieira, em consonância com a revisita de alguns poemas do escritor, que é recordado nas mais diversas dimensões: política e religiosa, inclusivamente.

Desenhado o percurso de Ruy Belo, desde a participação na Opus Dei à integração nas fileiras do CEUD, o poeta da morte (assim apelidado) é retratado como alguém humilde e simples, que facilmente prescinde da genialidade em prol do convívio. O que acaba por se reflectir na obra: partindo de pequenos objectos do quotidiano, Ruy Belo transcende para questões de ordem existencial, sempre através de uma linguagem acessível.

“Peine Perdue” e a nova vaga do cinema francês

Vencedora de vários prémios internacionais e participante na secção de Competição Internacional, a curta-metragem “Peine Perdue”, de Arthur Harari, parece querer pertencer à nova vaga do cinema francês que contempla nomes como Olivier Assayas ou Alain Guiraudie.

Uma narrativa aparentemente simples junta quatro jovens (duas raparigas e dois rapazes) num fim-de-tarde de verão e, como não poderia deixar de ser, a paixão irrompe. Porém, Harari subverte o clichê com um final absolutamente surpreendente em que os diálogos misteriosos e a performance dos actores se mostram peculiares.

Da Letónia chegou uma das maiores surpresas do festival (até ver). De forma absolutamente singela, “Hotel and a Ball”, de Laila Pakalnina, revela o quotidiano de um hotel e de um campo de futebol. Sem qualquer diálogo encenado ou entrevista, a realizadora apenas se coloca no papel de observador face àqueles acontecimentos. Também não existe narrador, o que privilegia a sonorização e resulta num jogo constante entre o ruído e o silenciamento.

Os planos são fixos e quase sempre resultam em composições fotográficas. Cada espectador é convidado a produzir um ponto de vista idiossincrático sobre o mundo, sobre aquilo que é representado.