“Os estagiários são muito explorados, sujeitos a horas de trabalho ridículas e sem compensação financeira” – ou futuro, conta André Guimarães, 23 anos. Depois há “a crise, que afetou diretamente o setor da construção”, completa Tiago Carvalho, 25 anos, e a “má publicidade feita pela comunicação social”. E explica: “Um pai, quando envia o filho para a universidade, quer que ele tenha trabalho a seguir. Como os pais ouvem nas notícias que o setor está em crise e que não há trabalho na Engenharia Civil cá em Portugal – o que, na realidade, não é totalmente verdade -, convencem os filhos a não tirar este curso”.

Números

A decorrer a segunda fase de candidaturas até 19 de setembro, é hora de fazer contas. Na primeira fase, foram colocados 89% dos candidatos e ocupadas 74% das vagas (87% nas universidades e 58% nos politécnicos). Em aberto, estão mais de 13 mil lugares. Sem alunos, estão 73 cursos.

Certo é, garante Tiago, que “as pessoas não deixaram de gostar de Engenharia Civil”. Por isso, estas são algumas das muitas razões com que estes estudantes, ambos finalistas do Mestrado Integrado em Engenharia Civil, na Universidade de Aveiro, justificam o declínio crescente de candidaturas ao curso, em todo o país – com especial ênfase este ano letivo.

O Mestrado Integrado da Universidade de Aveiro, onde são alunos, não teve um único candidato para a época 2014/2015. O ano passado, só na segunda fase completou as 40 vagas (que em 2012 eram 60). Já na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), que em 2013 teve mais de 300 candidatos para 150 vagas (em 2011 eram 170 e houve quase 600), ficou com 90 vagas por ocupar.

Para Tiago Carvalho, que até é o coordenador do Núcleo de Estudantes de Engenharia Civil (NEBEC) de Aveiro, “não se justifica” esta fuga à Engenharia Civil. “Hoje em dia, qualquer curso está sujeito à incerteza” e, para Civil ou não, “a maior parte das pessoas já vem para a faculdade com a ideia de ter de ir lá para fora”, diz André.

No entanto, há que tentar olhar para os factos de forma mais positiva: “Pode ser que comecem a reconhecer o trabalho dos engenheiros civis e comecem a subir ordenados” ou até que haja uma redução dos cursos excedentes na área, ficando este apenas disponível nas “universidade mais capacitadas para o leccionar [o mestrado integrado]”, afirma Tiago.

Sem “emprego garantido”, “não o teria feito”

As duas instituições, Universidade de Aveiro (UA) e Universidade do Porto (UP), orgulham-se de serem das poucas do país a possuir a marca EUR-ACE neste mestrado, um selo de reconhecimento europeu. Por isso, a qualidade do ensino não está em questão. O que parece assustar os amantes da Engenharia Civil é a quase obrigatoriedade de ir para fora para trabalhar na área. É que “em Portugal já não compensa”, diz André.

É o caso de Miguel Barbosa, 18 anos, que acabou de entrar no Mestrado Integrado em Engenharia Civil na FEUP. Oriundo de Viana do Castelo, prepara-se para mudar de cidade, mas não coloca a hipótese de ir para o estrangeiro e não teria seguido Engenharia Civil se não soubesse que, no fim, tem “emprego garantido”.

“Escolhi esta área porque gosto do curso e o meu pai tem uma empresa de construção, essencialmente. Sem essa segurança, acho que não o teria feito. Já me apercebi de que muitas pessoas da área estão a emigrar para ter trabalho”, afirma.

E, aparentemente, Miguel não é caso único. Tiago, pelo menos, também partilha a mesma história: “O meu pai está ligado à área da construção civil, por isso sempre gostei da área. E acredito que um terço ou metade dos alunos de Engenharia Civil se tenham candidatado pela mesma razão que eu”, diz. Quanto a André, não é o pai que é engenheiro, mas ‘o betão também lhe corre nas veias’.

“A longo prazo, vão começar a fazer falta”

Pela experiência do pai de Tiago, que entretanto viu a empresa falir e acabou por ficar desempregado, o mercado não parece estar, de facto, em boa forma. Ainda assim, a do pai de Miguel “está estável e tem bastante trabalho”. Em declarações à Lusa, o bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Matias Ramos, também fala de uma “taxa de emprego elevadíssima”. No entanto, as boas notícias parecem culminar todas no mesmo: os jovens a “desempenhar a sua atividade fora do país”.

Para o bastonário, é “preocupante que uma área, que é promissora para o país e que tem sido responsável por grande parte da internacionalização da nossa economia, tenha sofrido o baque que sofreu”. “Qualquer dia não será possível a internacionalização das empresas de construção se não existirem profissionais de engenharia civil que respondam às suas necessidades”, garante. Para André, mais tarde ou mais cedo, as consequências também vão fazer notar-se por cá. “Agora não há necessidade de mais engenheiros civis em Portugal mas, a longo prazo, vão começar a fazer falta”.

Por sua vez, André vai dedicar-se, para já, à investigação e está a preparar o doutoramento. Miguel espera que, quando terminar o curso, “o mercado tenha mudado e estejam a precisar de engenheiros cá” – senão, há a sempre a opção da empresa do pai. Tiago “preferia fazer um estágio em Portugal e depois sair – ou ficar, caso tenha essa oportunidade”. Mas “se tiver de ir”, vai. “Com a ideia de voltar, mas vou”, afirma.