“Toda a gente ‘enche a boca’ para falar do digital”, mas chega a hora da verdade e continuamos a ter pensamentos analógicos”, diz Pedro Leal, da Rádio Renascença.

Ainda assim, a rádio que Pedro Leal representa, acaba por ser uma das que melhor de se está a adaptar ao digital. Apesar de existir a “percepção de que a Renascença ainda é uma rádio velha, a realidade já não é essa” e há um “esforço para chegar ao digital”. Aliás, os primeiros noticiários vídeo em Portugal surgiram na Renascença, ainda em 97, “antes do Washington Post, por exemplo”.

Mas este ainda é “um terreno virgem” para os media portugueses, onde os jornalistas ainda estão a “cometer erros”. Antes, por exemplo, “os [orgãos] tradicionais dominavam o tempo. Hoje ninguém domina o tempo e temos de andar todos mais acelerados”. É por isso que é muito importante que os jornalistas “não se distraiam com modas” porque “o que interessa é o jornalismo” e não “as ferramentas”, alerta Pedro Leal.

Segundo o jornalista, a interatividade é outro dos campos em que o medo do desconhecido mina a evolução. “A indústria não gosta que as pessoas participem”, afirma Pedro Leal. “Em Portugal não se faz verdadeiramente interação com o público” porque “quem está no sistema tem medo daquilo que não é a norma”.

Mas quer se queira quer não, o digital é o futuro e, cada vez mais, se tem a noção de que se está “a criar uma nova linguagem com uma potencialidade enorme”. Uma linguagem partilhada com as rádios online, que representam ainda um “mercado muito pequeno, com muitos poucos ouvintes e pouca massa crítica” mas em constante expansão.

É nas rádios online “que se está a experimentar muita coisa”

Ligado à rádio há 30 anos, especialista da multimédia, e com uma participação muito importante na génese das rádios online em Portugal – basta dizer que foi o fundador do popular Cotonete -, Carlos Marques é hoje o diretor geral do site MyWay.

Experiente nestas lides, o nicho de mercado não o assusta e garante que, para o sucesso da “rádio exclusivamente na internet” há que “assentar ideias em quatro pilares” fundamentais.

Um: “As audiências” – não apenas na internet “mas no mobile também, que representa 30 a 40& dos ouvintes”. Dois: “A monetização” – foi senso comum entre os oradores de que o sistema digital é um sistema “muito barato” (quando comparado com os tradicionais), mas “existem sempre alguns custos. Por isso mesmo, há que “assegurar receitas e patrocinadores suficientes para cumprir o projeto, ou deixamos de nos preocupar com o conteúdo para encontrar dinheiro”, sublinha Carlos. Três: “A inovação”, já que “ainda se pensa muito no formato tradicional”. O quatro surge precisamente no seguimento deste último: “Os conteúdos e a criatividade”.

Afinal, “ainda há muita gente que gosta de fazer rádio”, diz Carlos Marques. Mas será que também “ainda há muita gente que gosta de ouvir rádio?”, questiona Heitor Alvelos, moderador da sessão.

“O poder da rádio é extraordinário, é o único meio em que o acontecimento tem tantas imagens como as pessoas que estão a ouvir” mas é verdade que “a rádio perdeu a chama”, admite Pedro. Culpa da falta de espontaneidade que se viveu nos anos 2000, com “a moda da rádio gravada”, como explica Pedro, mas também da “falta de rádios de autor, de personalidade”, refere Carlos Marques, e da “ditadura de playlist”, sublinha Carlos Magno, presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação. “Hoje em dia não há só playlist de músicas, há playlist de notícias também”.

“Daqui a 10 anos, quanto vão valer as frequências de rádio? Se calhar, não vão valer nada, já que muito menos pessoas vão ouvir rádio por frequência modelada”, sublinha Pedro Leal. É que “ninguém considera as rádios online como rádios de segunda, muito pelo contrário. As pessoas percebem que é lá que se está a experimentar muita coisa”, garante Pedro Leal.

“A realidade anda sempre à frente das leis”

E mesmo que a previsão futurista seja precipitada, a verdade é que, de qualquer forma, “a realidade anda sempre à frente das leis”, afirma Carlos Magno, – principalmente neste caso.

A realidade dos Media

É quase inevitável falar de media, hoje e dia, e não referir a crise que o país atravessa – e os orgãos de comunicação também. Foi o caso de Carlos Magno: “Quando ouço dizer que a RTP, a Lusa e a RTP fecharam uma delegação ou despediram um correspondente, entro em pânico. Se o serviço público não serve para ter antenas em todo o território e cobrir todo o país, para que serve o serviço público? Depois repercute-se na agenda destes media, que é cada vez mais lisboeta e esquizofrénica”.

Por exemplo, “a próxima revolução mediática vai começar pelo digital”, já que “é fundamental deixarmos o analógico”, e “grande parte dos juristas ainda pensa analógico”. O problema é que acaba, muitas vezes, por constranger o desenvolvimento de novos projetos. “O meu problema não é não existir legislação para determinados casos”, mas quando a que existe, já datada, perturba o desenvolvimento de novas ideias.

Um problema que deve ser discutido nas universidade, que parecem, segundo Carlos Magno, ter-se “esquecido da rádio”. “É a universidade que tem de discutir estes temas”, afirma, “não esperem que seja o parlamento a fazê-lo”.

O debate, intitulado “Online e FM: Legislação, Identidade e Público” aconteceu este sábado, 13 de setembro, às 11h30 e contou com a presença dos oradores Pedro Leal, da Renascença; Carlos Magno, presidente da ERC e Carlos Marques, da MyWay. A iniciativa insere-se no Fórum de Rádio Independente, organizado pela Engenharia Rádio, a decorrer no Pólo das Indústrias Criativas até dia 14 de setembro.