A 9 de novembro de 1989 começava a queda de uma das principais barreiras físicas criadas pelo Homem. Durante quase trinta anos, o Muro de Berlim dividiu uma nação em dois, colocando de um lado a República Federal da Alemanha (RFA) e, do outro, a República Democrática Alemã (RDA).

“Quando se abriu o muro foi como que o jorrar de uma coisa que estava reprimida há 40 anos. Uma barragem rompeu-se em direção a Berlim Oeste ao fim de todo aquele tempo de ditadura, porque as pessoas não queriam apenas pão para a boca. Também queriam liberdade”. As palavras são de Carlos Martins, jornalista português há vários anos a viver na Alemanha e que foi correspondente de alguns órgãos de comunicação portugueses nesse país durante um período considerável.

A repressão de que o profissional português já reformado fala leva-o à certeza de que “ainda existem ‘muros’ na cabeça de muitas pessoas na Alemanha”. Alguns dos quais provocados pela má gestão laboral da RDA, onde não havia desemprego oficial. “A primeira consequência para muitos milhares de alemães do Leste, logo após a reunificação, foi irem para o desemprego, e isso explica a frustração das pessoas, sobretudo dos jovens”, conta Carlos Martins.

Outrora jovem, hoje mais velha, essa população é, atualmente, a que mais sente uma divisão implícita na Alemanha. Cristina Krippahl, também jornalista portuguesa nesse país, onde vive há 35 anos – “é engraçado que comecei precisamente há 25 anos o meu trabalho de correspondente de meios de comunicação portugueses, com a queda do Muro” -, admite a existência dessa realidade: “Talvez entre os grandes perdedores da reunificação, os do Leste, ainda haja algum ‘muro’ para com os da Alemanha Ocidental. Mas é uma geração que está a chegar ao fim, de gente quase reformada”.

“Muro” à emigração?

Poderá dizer-se que a Alemanha tem erguido um “muro” à emigração? “A Alemanha, atualmente, não tem as fronteiras abertas a todas as pessoas que queiram vir. Só está interessada em acolher emigrantes que tenham uma qualificação profissional que lhe interessa. Por exemplo, japoneses ou indianos que tenham um curso interessante”, revela Carlos Martins. De certa forma, Cristina Krippahl concorda com essa visão: “Há, como em todo o mundo, uma separação entre a população autóctone e os emigrantes, sobretudo novos emigrantes e sobretudo novos emigrantes sem formação. Mas isso acontece em todos os países, não apenas na Alemanha”.

“Muros” para dentro e “muros” para fora

Essa separação torna-se mais palpável a nível económico. “Acho que o nível de vida atual ainda é um pouco inferior no Leste, em comparação com a parte ocidental, e os ordenados ainda são um pouco mais baixos”, refere Carlos Martins. Contudo, se persiste um “muro” nacional por razões económicas, há quem considere que a Alemanha ergueu um “muro” internacional pelo mesmo fundamento.

Destacada como a grande potência económica europeia e uma das principais no mundo, a nação germânica, na opinião de João Teixeira Lopes, sociólogo e também professor de Economia Internacional na Universidade do Porto (UP), “está a fazer os possíveis para que essas barreiras [na relação com os demais países] se vão tornando cada vez mais fortes”, algo visível, até, na política de emigração alemã (ver caixa). “Se se interpretar esta última intervenção da [Angela] Merkel, em que ela diz que países periféricos como Portugal e Espanha têm licenciados a mais, percebe-se o que está por detrás. É uma ordem internacional, uma ordem europeia, baseada na divisão do trabalho“.

“A ideia é criar países que sejam reservatório de mão de obra barata, técnica, profissional, e que outros tenham a primazia no que diz respeito aos circuitos mais qualificados. (…) Com isso, a Alemanha está a criar um ‘muro’ que é contraditório com a sua história mais recente, de aproximação à Europa, depois do Holocausto e do Nacional-Socialismo. E é um ‘muro’ mau, porque é baseado em relações de dominação que são injustas, visível na forma como os alemães vão estereotipando cada vez mais os países do Sul”, afirma João Teixeira Lopes.

Cristina Krippahl não é da mesma opinião. “Tenho um bocado de dificuldade de compreender como é que os países se distanciarão. Primeiro, é fisicamente impossível, e, segundo, é economicamente impossível dentro da Europa. Houve ressentimento no Sul da Europa, é normal, mas que, a meu ver, não deveria ter sido dirigido contra a Alemanha, mas contra os próprios governos. Acho que, entretanto, depois de as pessoas dizerem que a culpa era toda da Merkel, caíram em si e viram que, se calhar, as culpas também podem ter sido de erros de sistema em Portugal, na Grécia, seja onde for”.