Perante centenas de pessoas, maioritariamente jovens, o grupo de percussão do Colégio de Santa Maria de Lamas, Ritmare, inaugurou o palco da Sala Suggia e abriu as hostes ao evento. O jornalista Júlio Magalhães surgiu como o “apresentador” da sessão da manhã e não deixou de se mostrar congratulado pela iniciativa no Porto e na própria sala de espetáculos da Casa da Música.

As intervenções “formais” que se seguiram estiveram a cargo de Miguel Araújo, presidente de honra do congresso, e dos patrocinadores Jerónimo Martins e Fidelidade, nas vozes de Fátima Loureiro e Cristina Tavares, respetivamente. A organização não ficou de fora nas palavras e Pilar Cánovas, responsável pela área internacional da fundação, realçou a necessidade de se “difundirem valores na sociedade geral” de forma gratuita, parte da missão do “Lo que de Verdad Importa”. Acompanhada de Carmo Amaral, figura da delegação portuguesa do evento, ficou assente de que não existiam dúvidas em trazer o congresso para a Invicta.

Ter duas vidas numa só

Bento Amaral ficou tetraplégico aos 25 anos, quando ainda lhe faltava uma cadeira para terminar a licenciatura em Engenharia Alimentar. O então estudante universitário estava no mar, quando uma onda o assaltou e fez com que a sua cabeça batesse no chão e processo de uma nova vida começasse a partir daí. “Ter duas vidas, numa” é assim que Bento Amaral classifica os momentos antes e após o acidente, como que um computador que reinicia e fica em modo de suspensão.

Não mudar de posição durante a noite, o receio de não ter alguém que o amasse ou a discriminação dos outros, foram pensamentos que assolaram a mente do engenheiro. Era “reiniciar num corpo diferente”, com tudo o que isso significava: dependência de outrem e pouca autonomia.

Os primeiros tempos foram duros, contudo arranjou forças em si e na família para dar vida aos seus sonhos, ainda que com todas as dificuldades e provações. O desporto é uma paixão e foi com persistência que em 2005 se tornou campeão mundial de vela na Austrália. 14 anos de prática de vela antes do acidente, motivaram Bento Amaral e hoje em dia, não há lugar para tempo livre na sua vida.

Se lhe perguntarem quem são os seus super-heróis, provavelmente responderá: “São os que me dão banho, que me tiram da cama, que me dão vida através de um olhar, um sorriso e do acompanhamento”. A preocupação por situações menores deve ser erradicada, porque impõe-se “sermos infelizes agora”, independentemente dos obstáculos.

Mais do que uma aventura pelo Haiti

Lucía Lantero vem de Espanha e é a quarta presença nos congressos da fundação “Lo que de Verdad Importa”. A razão é simples: após integrar um programa de voluntariado no Haiti no rescaldo do sismo ocorrido em 2010, a jovem decidiu ficar e criar uma ONG. O que seriam seis meses são agora o tempo inteiro de Lucía, que regressou apenas devido ao nascimento do seu primeiro filho, mas com claras intenções de voltar e criar a pequena Valentina junto dos seus “meninos”, as crianças a quem dá abrigo no orfanato.

No Haiti, a jovem deparou-se com a tragédia humana e as crianças pobres e famintas a residirem na rua foram o que mais a chocou. O sentimento de não voltar a sair do país surgiu perante a indignidade e inatividade do país e do mundo face às atrocidades e ao desrespeito pelos direitos humanos. “É indigno que se passe isto em qualquer país do mundo”, desabafa Lucía. Os relatos de pessoas a comerem terra para combater a dor que sentiam no corpo por causa da fome ainda permanecem na mente de Lucía Lantero, que atualmente dedica a vida a ser uma “mãe” para todas as crianças resgatadas das ruas do Haiti e dos territórios próximos como a República Dominicana.

A ajuda humanitária de organismos como a ONU não deixou de ser alvo de críticas por parte da oradora: “Não está estruturada para ajudar”. Os 75 mil euros angariados para a construção do orfanato através de uma plataforma de crowdfunding fizeram crer a Lucía, que existem pessoas que ainda querem mudar o pior do mundo.

“Se a mãe morrer, não te metas na droga”

A sessão da tarde contou com a moderação do jornalista Pedro Carvalho da Silva e iniciou-se com a visualização de um vídeo sobre o trabalho da fundação. “O que de verdade importa?” foi uma pergunta que teria uma resposta, entre várias, na intervenção de Johnson Semedo. O orador começou por salientar o quão inspirado se sentiu com as intervenções anteriores, antes de dar a conhecer a sua história de vida.

A infância e juventude de Johnson não foram tempos fáceis. A falta de recursos económicos da família aliada à marginalização na escola tornaram-no um jovem problemático e vulnerável a tudo o que lhe diziam. O então pré-adolescente começou a desenvolver pensamentos racistas perante os diferentes de si, a consumir drogas e aos nove anos estava a viver na rua. “O Johnson também era racista”, afirma.

O amor dos seus pais não lhe conseguiu travar os vícios, mas Johnson Semedo tem noção que a morte de ambos representou momentos de click e reviravolta no seu percurso – “Se a mãe morrer, não te metas na droga”, recorda o conselho do sobrinho. Esteve preso e depois de anos em programas de reabilitação e reinserção social, Johnson conheceu pessoas que olharam para si sem julgamento e sempre com vontade de o ajudar.

A Academia Johnson Semedo é um projeto criado pelo próprio na Cova da Moura, o seu lugar, com o objetivo de prevenir a delinquência infantil. Os jovens da associação e as palestras nas prisões são a prova de que consegue “superar os medos” e dar ao outro o que em tempos já precisou. O momento de fecho contou com as melodias de Miguel Araújo e a promessa de que no Porto se consegue encontrar “o que de verdade importa”.