Juliana Pinto e Cátia Balona são dois dos nomes portugueses atualmente a fazer carreira profissional no futsal feminino no estrangeiro. Fazer carreira profissional em Portugal ainda parece um sonho distante, principalmente falando de mulheres. Itália foi por isso o país de destino destas jovens que abraçaram o mesmo projeto e contam agora como largaram as suas vidas e como hoje se encontram a jogar pela segunda época consecutiva num dos maiores campeonatos do mundo da modalidade.

Nos últimos anos, tem-se assistido a uma mudança de  pensamento de “Uma rapariga a jogar à bola?” para “Esta rapariga sabe jogar à bola!”. Parecendo que não, vai bastando esta mudança gradual para que este deporto se faça cada vez mais no feminino e mais importante, com as mesmas oportunidades que são dadas ao outro género. Lá fora, o valor dado é diferente, mas fruto do trabalho e persistência de várias embaixadoras e impulsionadores da modalidade, o futsal feminino tem arrecado cada vez mais apreciadores. A criação da primeira edição do Campeonato Nacional Feminino em 2013 foi um dos sinais de que panorama tem vindo a mudar. Desde então, o desporto tem escalado mentalidades. Para quem já cá anda há uns anos valentes, quando o timing se junta com a oportunidade, é possível uma carreira.

Juntas são mais fortes

A cumplicidade fora de campo também se traduz dentro das quatro linhas

Juliana Pinto (Juninha como é conhecida no meio),  aos 29 anos, é já uma veterana nestas andanças, mas foram preciso vinte suados anos para que de uma pequena terra em Paços de Ferreira chegar a brilhar em pavilhões italianos. Tem um bola nos pés desde os seus nove anos, por isso diz convictamente: “Jogo futsal desde sempre” . Com esta mesma idade já treinava lado a lado com raparigas bem mais velhas na equipa sénior do clube da sua terra, o Aliados de Lordelo. O potencial falou mais alto que qualquer diferença em centímetros de altura ou anos de idade, e aos doze, a pequena “Juninha” tornava-se atleta federada no mesmo clube onde permaneceria por mais nove anos.

Qualquer atleta sabe que o mundo do desporto é imprevisível e feito de muitos trilhos. Após a saída do Aliados, seguiram-se vários clubes. O FC Vermoim no distrito de Braga e o Mindelo em Vila do Conde, distrito do Porto, foram passagem efémera que culminaria na equipa do Novasemente Grupo Desportivo em Espinho, na altura sob o comando de Manuel Almeida. Este viria a ser determinante na viagem de uma vida que Juliana, não fazendo ideia, estaria prestes a embarcar.

Para Cátia Balona, 26 anos e natural de Santa Maria de Lamas, o futsal não foi a primeira paixão.”Comecei a jogar futsal muito velha mas já lá vão oito anos”. Após vários anos a praticar atletismo, foi numa tarde de jogo casual entre amigas que surgiu o convite para dar uma oportunidade ao futsal. O atletismo acabou por ficar para trás, e Cátia (“Balona” no mundo dos futsais) manteve-se por três anos no L.F.C Lourosa, de Santa Maria da Feira, passando pelo Vilamaiorense e rumando depois ao Novasemente Clube Desportivo, onde já se encontrava Juliana.

Juninha deu quatro épocas a esta casa que ainda hoje relembra com saudade. “Ao início um pouco sem saber o que fazer, porque era bastante longe, mas depois sem o mínimo arrependimento! A melhor experiência de futsal, o melhor grupo de sempre”. Para Cátia apenas uma, mas bastou para que a gravasse na memória e que pela mão do treinador Manuel Almeida ambas sonhassem com vôos mais altos.

Buon Viaggio

Itália, terra da pasta, da pizza, e dos memoráveis caminhos da Toscana. Da arte no seu melhor, de Miguel Ângelo e a sua capela Sistina. Terra de glórias futebolísticas e história nos livros do futebol. E agora, lugar que ficará na história desta duas portuguesas.

Nem todas as atletas têm a felicidade de poder jogar no estrangeiro, de fazer aquilo que no fundo todos procuramos uma vida inteira, viver daquilo que gostamos. Juliana e Cátia, fazem parte desse grupo de pessoas a quem foi dada uma oportunidade. Ambas referem Manuel Almeida como o responsável por esta experiência. “A oportunidade surgiu através do nosso ex-treinador Manuel Almeida, ele teve uma proposta para treinar uma equipa italiana, onde teve oportunidade de escolher três jogadoras portuguesas para o acompanhar e falou connosco”.

Para Juliana, as razões que pesaram na altura da decisão foram muito simples : “Era continuar a trabalhar com um treinador bastante querido e que tínhamos alcançado já bastantes títulos juntos no Novasemente e agora transformar isso numa experiência já a um nível mais profissional que ficaria para a vida (…) Na altura, não estava a trabalhar e mais duas portuguesas iriam também para o mesmo clube e então não hesitei.”

Portugal ficou a mais de 2500 quilómetros. Ficou também família, amigos, estudos e uma realidade como a conheciam, é certo. No entanto, não hesitam em dizer que a adaptação foi fácil. Cátia conta que teria sido muito diferente se tivesse embarcado nesta aventura sozinha. “A adaptação não foi muito difícil, éramos quatro portugueses, o que facilita bastante. Também já conhecia a maneira de trabalhar do mister , o que dificultou um pouco foi a língua, mas no futsal, a linguagem é universal.” Um país diferente, uma cultura diferente mas um país que vive muito para o futsal. Ideal para construir uma carreira.

Para ir, é com contrato

O contrato depositado na federação é uma garantia de pagamento. Se não for depositado, o clube se quiser paga se não quiser não paga. Ao depositar contrato na federação no final da época, a equipa tem de apresentar  transferência bancária ou os cheques passados à jogadora. É uma prova para a federação como o clube cumpriu as obrigações financeiras para com a atleta.

Se não o fizer a equipa fica impedida de inscrever -se na próxima época até regular as contas.

Como tudo, existe sempre um “se” ou um “mas” na realidade das coisas, e as duas atletas, encontram-se já na segunda época consecutiva em Itália.O ano passado usavam as cores do ASD Caffé Portos, este ano representam o Citta di Sora.  Tiveram alguns contratempos na sua primeira experiência e Juliana conta como nem sempre foi fácil. “O ano passado, apesar de termos feito uma época histórica no clube, tivemos algumas divergências. Há sempre bastantes atrasos nos pagamentos e isso é o que mais dificulta a nossa estadia cá. Além de que nos encontrávamos no grupo A e as viagens quando jogávamos fora, eram sempre muito longas, 4, 5, 6, 7 e até mesmo 8 horas”.

Este ano  fazem parte do grupo B , que consideram ser ” o melhor grupo, com as melhores equipas” mas as viagens são bem mais curtas. Ainda assim nunca deixam de fazer o seu trabalho.  “As condições são as melhores possíveis, já no ano passado tínhamos tudo o que era necessário para um bom trabalho. Este ano temos um staff ainda melhor e bem maior, excepto o treinador claro, os portugueses são sempre melhores.”

Vivem todos os dias o sonho de qualquer atleta, “estamos aqui mesmo só para trabalhar para e no futsal” : as manhãs são passadas a treinar , seguidas de treino físico e mais tarde prolonga-se o descanso após a digestão. Há noite, o treino habitual com a equipa. Aos fim de semanas voltam a equipar-se, mas desta vez, com a vitória a ser o objectivo cumprido quando saírem das quatro linhas.

São vários os factores que, juntos, possibilitam que esta oportunidade se torne numa experiência para mais tarde recordar (pelas melhores razões). Não se trata apenas de partir de malas e bagagens. As jogadoras lusas chamam a atenção de atletas, e principalmente jogadoras de futsal que futuramente pensem em se aventurar pelo estrangeiro, para a importância de um contrato bem definido e da agenciação.”Quanto aos contratos, aí já é preciso um pouco mais de cuidados, um agente ajuda bastante”.

Tanto Juliana como Cátia sentiram na pele o que é não serem representadas oficialmente e o ano passado, devido à falta de conhecimento, os seus contratos na federação não foram depositados. Esta época tal facto não aconteceu, têm um agente.  No entanto, deixam ainda um aviso direccionado aos jovens atletas: “Para quem tem menos de 25 anos, tem de assinar um documento que  é bastante importante, senão assinarem este documento ficam até aos 25 anos obrigatoriamente vinculadas nesse clube”.

Apesar de “nem tudo ser maravilhoso”, as saudades serem já muitas e já quase não se lembrarem do gosto da comida portuguesa, estes são dois casos de sucesso. O balanço é mais que positivo, e para Juliana “está a ser uma bela aventura”. Já Cátia, não pôde deixar de dar do lado de lá uma palavra a quem tiver esse sonho do lado de cá.”Aconselho a quem tiver oportunidade de viver uma aventura destas que aproveite, nem que seja só por um ano, pois é uma realidade muito diferente da nossa em Portugal, e sem dúvida que vale a pena”.

Os portugueses pelo mundo também são atletas. Aliás, são mulheres que levam futsal na bagagem e que todos os dias lutam lá fora para que o talento se sobreponha ao género.