Lara Amorim Ramos, a tatuadora, e Diana Costa, a proprietária do espaço, uniram-se em prol de uma causa e procuram mulheres que, depois de terem sido submetidas a uma mastectomia, estejam agora prontas para a reconstrução do mamilo e aréola através de tatuagem. O processo é gratuito e, garantem, irá melhorar a autoestima e o bem-estar de quem, devido ao cancro, se viu submetido aos dolorosos processos de tratamento e recuperação.

Os requisitos para que se considere uma pessoa apta a submeter-se a este procedimento são poucos: “Tem que ter aval clínico do médico, não ter feito qualquer cirurgia nos últimos seis meses ou ter qualquer outra intervenção pela frente”, indica Lara. Basta ligar e marcar mas, acima de tudo, “que esteja realmente disposta a dar o passo”.

Normalmente, o aval clínico dado para o processo de micropigmentação é válido também para a tatuagem, mas Lara prefere fazer a distinção entre os dois processos: “Micropigmentação é um sistema em que a tinta é aplicada sobre a pele e depois, com a agulha, se pica a tinta para dentro, já a tatuagem é diferente, nós levamos a agulha já com tinta para dentro da pele”.

Esta diferença transmite-se numa maior duração da tatuagem quando comparada com a micropigmentação, que se vai esbatendo com o passar do tempo. Ainda assim, existe sempre a possibilidade de ser necessário um retoque na tatuagem após a cicatrização total, já que “o mamilo vai estar um pouco mais claro e por isso é que nós pomos a tonalidade um bocadinho mais acima”, salienta.

As “contra indicações são as mesmas que as de uma tatuagem noutra zona do corpo”

Para além destas diferenças e apesar do aval médico, a tatuadora prefere avaliar pessoalmente cada caso antes de prosseguir com a tatuagem, de forma a garantir que estão reunidas as condições mínimas de segurança: “Há pessoas que fazem apenas quimioterapia e reconstrução, há outras pessoas que fazem radioterapia, que é localizada, ela destrói parte dos tecidos interiores e muitas vezes a pele fica muito fina. E, principalmente se a pessoa tiver implante salino ou de silicone, tenho receio de tatuar porque a pele está muito próxima do implante”. Para Susana Marta, ginecologista e clínica especializada em patologia da mama e do colo do útero, é raro colocar-se a prótese sem proteção.

O “risco de extrusão da prótese”, ou seja, a probabilidade de esta sair do seu lugar é bastante elevado caso não esteja devidamente protegida e, por esse motivo, existe sempre o cuidado de a envolver. Assim, as “contra indicações são as mesmas que as de uma tatuagem noutra zona do corpo”, sendo apenas necessário algum cuidado extra na pele de quem se submeteu a radioterapia, já que “é uma pele sensível que pode ter uma reação mais significativa que uma pele normal”, acrescenta.

O preço é também um fator de distinção nestes casos, já que o custo da micropigmentação ronda os 200 euros e a tatuagem se fica pelos 50, no caso das mulheres não abrangidas pela atual campanha. Aliás, a primeira pessoa a ser recebida na Modus Ink para o procedimento de reconstrução de aréola foi Cristina Moreira, de 43 anos, que há 16 anos atrás foi submetida a uma redução mamária.

Devido a uma exposição demasiado prolongada dos mamilos e aréolas, período durante o qual estiveram sem irrigação, estes necrosaram e despigmentaram. As cicatrizes visíveis e a assimetria das aréolas sempre foram um fator de desconforto psicológico e físico para Cristina. Demorou a fazer a tatuagem de reconstrução porque “não conhecia ninguém que o tivesse feito” e foi através das redes sociais que ganhou a confiança necessária para dar este passo: “Vi a campanha no Facebook, vi que tinha amigos em comum com a Lara e pedi referências”.

Recebeu recomendações bastante positivas e decidiu visitar o espaço. Daí até à realização da tatuagem pouco tempo se passou. “Gostei muito da Lara, existe muito cuidado da parte dela, muita assépsia, o que transmite confiança”, garante. Enfermeira de profissão, diz-se pouco incomodada com agulhas mas, mesmo assim, garante que “a dor não justifica o medo que possa existir”. Aliás, Lara recomenda sempre o uso de um anestésico tópico que pode ser adquirido nas farmácias, pois “mesmo quando me dizem que são resistentes à dor, que já passaram por muito e que não vai ser isto que lhes vai doer, eu prefiro que a pessoa esteja a usufruir do momento”, desfrutando do processo de transição.

Cristina Moreira está bastante satisfeita com o resultado, as cicatrizes desapareceram, está mais simétrica e a pigmentação é uniforme. Aproveita mesmo para deixar uma palavra de incentivo a todas as mulheres que estejam a ponderar submeter-se a este procedimento: “Acho que é um tormento que podem minimizar, o nosso ego não fica tão em baixo e vale muito a pena”.

Como funciona?

Em casos em que a pessoa não tenha a saliência do mamilo é dada a sensação de profundidade com um jogo de cores e luzes (tatuagem 3D). É sempre usada pigmentação o mais semelhante possível à da pessoa (em casos em que ainda exista o mamilo na outra mama, a tatuadora reproduz o tom da pele de forma a que fiquem idênticos).

A cor é sempre afinada na hora e é uma decisão conjunta entre a tatuadora e a cliente. De seguida, é feito um círculo (não exageradamente perfeito, para que não pareça artificial) e, através da pigmentação, é desenhada uma área mais escura na base do mamilo, clareando em direção ao interior para conferir a sensação de volume. Por último, é usado pigmento branco para mimetizar os “pontinhos” que rodeiam a aréola, não definindo muito a margem do mamilo.

“Fazemos quase uma aguarela, não muito regular, e isso é que dá a sensação de ficar mesmo natural”, garante Lara. Ao todo, o processo dura cerca de uma hora.

Os contactos têm sido constantes e até obrigaram à alteração da publicação, de forma a indicar que a campanha decorre apenas em território nacional, porque “as pessoas contactavam-nos até do outro lado do Atlântico e depois ficavam desiludidas ao perceber que não podiam usufruir desta oferta no seu país”, lamenta Diana. Apesar do elevado número de interessadas, ainda são poucas as que realmente deram este passo: “Informar-se é às dezenas por dia… pelo telefone, pelas redes sociais, por e-mail, tudo. Verdadeiramente tatuar cá na loja, foram só três ou quatro”, aponta Lara.

Quando questionadas sobre o motivo que as levou a oferecer este serviço, são unânimes: “Primeiro, porque somos mulheres”, afirmam. Depois, por casos similares que lhes são próximos. “Se cada um fizer um bocadinho, pelo menos colocar um sorriso na cara das pessoas que já passaram por tanto, tudo fica melhor…”, diz Lara.

Como forma de retribuição apenas pedem que, com consciência, as pessoas partilhem a informação e façam com que “a campanha chegue a mais pessoas”. Não custa nada, às vezes partilhamos coisas sem jeito nenhum e fazer a partilha de uma coisa tão importante para tanta gente pode fazer a diferença. Até de boca em boca, porque há quem não esteja nas redes sociais. Só pedimos que façam a partilha, que façam alguma coisa, porque há tanta gente a precisar e tanta gente a quem isto fará realmente a diferença…”.