O ataque à “Flotilha da Liberdade” em 2010, ditou, em grande parte, a necessidade da criação de um grupo, cujo propósito fosse demonstrar o que de pior se estava a passar na Palestina, inclusive, na Faixa de Gaza. Esse grupo era português e viria a chamar-se Grupo Acção Palestina (GAP).

Entre o seu coletivo esteve a ação individual e primeira de Ana da Palma, que depressa sentiu a necessidade de contactar outras pessoas na tentativa de denunciar e encontrar quem partilhasse das mesmas ideias face ao conflito israelo-palestino: “Na altura, enviei um e-mail a um estudioso americano, Norman Finkelstein, falando-lhe da eventualidade de vir a Portugal. Ele respondeu e pôs-me em contacto com pessoas de Lisboa, que depois me puseram em contacto com pessoas do Porto”, explica.

A educação em Paris e a proximidade com ativistas pró-Palestina e defensores de direitos humanos influenciaram Ana no caminho do GAP, sendo que o seu trabalho em Portugal foi inicialmente mais focado na divulgação e não tanto em campanhas de intervenção. As manifestações, as vigílias e os demais eventos do grupo surgiram mais tarde.

“Flotilha da Liberdade”

A 31 de maio de 2010, as Forças Armadas de Israel impediram seis embarcações de entrar em território palestino. Os tripulantes, entre eles ativistas de várias nacionalidades, pretendiam distribuir ajuda humanitária na Faixa de Gaza. Do ataque resultaram nove mortos e 60 feridos.

O Hamas terá recusado aceitar essa ajuda, reencaminhada depois pelas autoridades israelitas, até que Israel anulasse todas as detenções resultantes do ataque à flotilha.

A Palestina de hoje e de amanhã

“Defender esse povo [palestino] que está a ser chacinado há mais de 60 anos”, talvez seja o propósito inicial nas palavras de Ana da Palma, embora admita que a ação do GAP vai muito além disso. Para Nuno Carvalho, as incompreensões relativamente à realidade palestina são uma das áreas interventivas do grupo – “É desmistificar a ideia de que isto é um conflito complexo, porque existe uma construção de complexidade pelos media e pela própria diplomacia”, afirma o também membro do GAP.

Caso fosse possível enumerar as fragilidades da Palestina, a falta de liberdade de circulação seria uma delas, na opinião de Ana. Não sair do país ou impedir as crianças de irem à escola são dois dos exemplos apontados, assim como as “limitações em termos de identificação [civil]”. A dualidade camponeses palestinos e soldados israelitas é uma relação oposta num território onde a guerra está sempre presente. A Faixa de Gaza será, até 2020, segundo Ana da Palma, com base num relatório da ONU, “um território completamente inabitável”.

A solidariedade dos países vizinhos

Apesar do seu âmbito regional, o GAP tenta estender-se além fronteiras, através da participação em iniciativas fora do país, como o caso do apelo à sociedade civil de 2011, em que um membro do grupo foi à Cisjordânia. Outro exemplo foi a colaboração do GAP, por Skype, no fórum social mundial “Palestina”, que discutiu a educação no país. O trabalho desenvolvido a nível local pelo Grupo Acção Palestina é complementado pelos contactos que mantêm dentro da Palestina.

A comunidade palestina no Porto é reduzida, mas há palestinos que se dirigem ao grupo. Fazem-no de forma tímida e, normalmente, quando se dão acontecimentos como o último ataque israelita a Gaza, que ocorreu em dezembro de 2014, após o cessar-fogo anunciado em agosto.

O GAP organizou, na semana de 9 a 14 de março, a Semana da Palestina, um evento que juntou vários nativos daquele país e, inclusive, mostrou a solidariedade das nações que rodeiam o conflito: “Há uma espécie de solidariedade entre os estudantes do Médio Oriente e apareceram, por exemplo, estudantes sírios, porque é um assunto que toca quase todos os povos ali à volta”.

A cultura palestina, ofuscada pela guerra

Pouco se conhece da Palestina para além do conflito israelo-palestiniano, pois este é tópico principal que leva a que o país seja falado nos media. Mas há muito mais para saber sobre a cultura e história deste povo. Ana da Palma dá ao JPN dois exemplos da cultura palestina: os lenços palestinos e o húmus, ambos facilmente encontrados no quotidiano ocidental, mas nenhum pensado como sendo de origem palestina.

Nuno Carvalho considera que, apesar da guerra constante, os palestinos “são pessoas que vivem exatamente como qualquer pessoa no mundo. Têm filhos, trabalho, aniversários, festas, tristezas, deceções, alegrias…”. Segundo Nuno, a duradoura ocupação da Palestina pelo conflito torna difícil a abstração dele por parte de quem lá vive: “Acredito que tentem, através destas vivências normais”, afirma.

“As portas das casas são soldadas”

Se, por um lado, os palestinos tentam realizar a sua rotina normalmente, por outro, a hostilidade vivida já se enraizou no seu dia-a-dia. Nuno Carvalho conta a história de uma criança de oito anos que brincava a atirar pedras aos tanques israelitas: “Ele dizia que já lhe tinham morrido os amigos todos e, se não o deixavam jogar à bola, ele ia atirar pedras aos tanques”.

Nuno esclarece, ainda, as diferenças substanciais existentes na Cisjordânia e em Gaza: “Gaza é uma prisão a céu aberto, eles não têm escapatória nenhuma e não conseguem mesmo sair dali. Na Cisjordânia estão ocupados, mas têm uma certa autonomia em algumas questões de gestão de sociedade”.

Apesar disso, a Cisjordânia vive, também, um ambiente agitado, nas zonas ocupadas pelo exército israelita. As ruas encontram-se bloqueadas e os moradores têm todos os passos controlados. “Os palestinos que aí vivem têm que ficar em casa, porque as portas das casas são soldadas”.

Todas as sextas-feiras, de há dez anos para cá, os palestinos manifestam-se junto ao Muro da Cisjordânia, uma estrutura de betão de oito metros com arame farpado. O conflito israelo-palestiniano continua a ter repercussões na vida dos palestinos, que são privados da autodeterminação e justiça características da governação de qualquer país do século XXI.