No ano de 1415, Portugal partiu para a conquista de Ceuta, uma cidade situada entre o sul da Península Ibérica e o norte do continente africano. A fim de juntar mantimentos para a viagem, o Infante D. Henrique pediu aos habitantes do Porto para cederem todo o tipo de alimentos. Privados da maioria das carnes, a população portuense foi obrigada a ficar apenas com as miudezas, que incluíam as tripas.

Dessa forma, os cidadãos tiveram de procurar alternativas e inventar novos pratos gastronómicos com as limitações existentes, surgindo, assim, as tripas à moda do Porto. Ao longo dos anos, o prato sofreu alterações, como a inclusão do feijão e das especiarias, que não eram usados na altura da sua criação. Simultaneamente, os portuenses receberam a alcunha de “tripeiros”, devido ao uso das tripas nos seus cozinhados.

Passados 600 anos, este requinte culinário tornou-se tradicional na cidade do Porto e foi mesmo considerado uma maravilha gastronómica do país. Manuel Moura, sócio-gerente do Restaurante Líder e diretor, presidente e confrade fundador da Confraria Gastronómica das Tripas à Moda do Porto, explica ao JPN que este prato só pode ser feito de uma forma, apesar de terem surgido diferentes variações.

“Em Lisboa, eles chamam-lhe ‘dobrada’, que é um bocadinho diferente. Em Vila Real, eles fazem tripas aos molhos, que é estufada só com uma guarnição à parte ou com uma batata cozida, com arroz branco ou com umas torradas. Aqui, as tripas à moda do Porto levam iguarias, como mão de vaca, chouriço, presunto, orelheira e foram enriquecidas ao longo dos tempos, visto que, originalmente, eram comidas com castanhas ou pão, até porque não tínhamos feijão”, esclarece.

Manuel Moura

O sócio-gerente do restaurante Líder e diretor, presidente e confrade fundador da Confraria Gastronómica das Tripas à Moda do Porto, já está na área da gastronomia desde os seus 12 anos.

ManuelMouraLíder

Do Porto para todo o mundo

Há quem considere que as tripas são um prato de tal forma distinto, que pode afastar os turistas, muito devido aos ingredientes que leva, como a tripa e a orelheira de porco. Mas, segundo o sócio regente do restaurante Líder, tal não acontece. “Mais de 90% da população portuguesa gosta de Tripas à Moda do Porto. No caso dos turistas, os espanhóis gostam, os brasileiros adoram e, claro, se formos para os países nórdicos, para os ingleses e para os alemães, damos-lhes a provar e eles gostam, mas, claro, se lhes dermos uma dose de tripas como nós comemos, damos cabo deles”, explica, entre risos.

O segredo pode passar por explicar o que se cozinha. “Às vezes, o nome tripas pode confundir as pessoas, mas o que se cozinha é o estômago. A verdadeira tripa nem sai do matadouro”. Manuel Moura explica que irá receber confrarias francesas que se dirigem ao restaurante para comer tripas.

Além destes países, até os do oriente já receberam o prato. “Já demos tripas a japoneses. Mas tem de ser aos poucos, temos de lhes dar a provar”, confessa.

Aposta no que é português

Faz parte da sabedoria popular que o que é nacional é bom. Essa é, na verdade, uma ideia passada por Manuel Moura. Parece errado que sejam os estrangeiros a usufruir melhor dos produtos portugueses. “Por exemplo, não faz sentido em Portugal beber-se pouco vinho do Porto. Bebe-se mais vinho do Porto em França e em Inglaterra do que se bebe em Portugal. Temos de incentivar o culto da mesa, que é quase cultura. Nós temos produtos maravilhosos, a nossa gastronomia é rica”, considera.

Os seis séculos das tripas à moda do Porto

A Confraria Gastronómica das Tripas à Moda do Porto não vai deixar passar esta data sem celebrações. Em plenas comemorações, têm sido feitas diversas atividades, como almoços que contam com várias personalidades. Existem eventos previstos que contam com presença da Universidade do Porto e da Câmara do Porto, onde se pretende “dar tripas às pessoas do Porto”.